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Lembro-me muito bem da minha primeira impressão de Hemingway,
naquela tarde. Era um rapaz de vinte e três anos, extraordinariamente bem
apessoado. Foi pouco depois da época em que todo mundo tinha vinte e seis anos.
Houve o período dos vinte e seis. Nos dois ou três anos subsequentes, todos os
rapazes tinham vinte e seis anos, a idade certa, aparentemente, para aquele
tempo e lugar.
Gertrude Stein
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Página do manuscrito Goodbye Columbus de Philip Roth, publicado no número 20 da Paris Review (Autumn-Winter, 1958-1959). |
No início da década de cinquenta, uma nova geração de jovens
expatriados americanos completou em Paris vinte e seis anos. Mas já não eram os
Rapazes Tristes, nem os Perdidos. Eram os espirituosos e irreverentes filhos de
uma nação vencedora e, embora a maioria se originasse de pais abastados e se
tivesse diplomado em Harvard ou Yale, pareciam ter grande prazer em fingir-se
de pobres, fugir aos credores, talvez por ser uma espécie de desafio, porque
isso os distinguia dos turistas americanos a quem desprezavam, e também por ser
um meio de caçoar dos franceses, que os desprezavam. Contudo, viviam em alegre
miséria na Rive Gauche durante dois ou três anos, entre prostitutas, músicos de
jazz e poetas pederastas, envolvendo-se com gente trágica e doida, inclusive um
violento pintor espanhol que certo dia abriu uma veia da perna, terminando seu
retrato derradeiro com o próprio sangue.
Em julho desciam a Pamplona para correr dos touros e ao
regressar jogavam tênis com Irwin Shaw em Saint-Cloud, numa quadra magnífica,
dominando Paris. E ao atirarem a bola para servir, viam diante dos olhos a
cidade inteira: a Torre Eiffel, o Sacré-Coeur, a Ópera, e ao longe as torres de
Notre Dame. Irwin Shaw achava-os divertidos, chamando-os “Rapazes Altos”.
O mais alto de odos, 1,90m, era George Ames Plimpton, rápido
e gracioso jogador de tênis, de pernas compridas e magras, cabeça pequena,
brilhantes olhos azuis, nariz delicado, de ponta fina. Viera a Paris em 1952
com a idade de vinte e seis anos porque vários dos outros americanos altos e
jovens – alguns eram baixos e selvagens – estavam publicando uma revista
literária que receberia o nome de Paris
Review, sob protestos de um dos membros da equipe, um poeta que queria
batizá-la de Druid’s Home Companion e
que ela fosse impressa em casca de bétula, George Plimpton foi designado para
editor-chefe e breve era visto caminhando pelas ruas de Paris, uma longa écharpe de lã no pescoço, às vezes uma
capa negra aos ombros, lembrando a famosa litogravura de Tolouse Lautrec por
Aristide Bruant, o brilhanteliterato do século XIX.
Embora grande parte da redação da Paris Review fosse feita nos cafés de rua, enquanto os editores
aguardavam a sua vez na máquina de jogo automático, a revista obteve muito
sucesso porque os rapazes tinham talento, dinheiro e gosto e evitavam usar
vocábulos típicos de revistinhas, como “zeitgeist” e “dicotômico”, e não publicavam
críticas herméticas sobre Melville e Kafka, preferindo poesia e ficção de
jovens escritores talentosos e ainda pouco conhecidos. Iniciaram também uma
excelente série de entrevistas com autores famosos – que os convidavam a
almoçar, apresentavam-nos a atrizes, dramaturgos e produtores e depois todos
mundo convidava todo mundo para festas, e as festas eram infindáveis. Não
terminaram até hoje, embora dez anos se tenham passado, Paris não seja mais
cenário e os Rapazes Altos estejam com trinta e seis anos.
Vivem agora em nova York e a maioria das festas acontece no
grande apartamento de solteiro de George Plimpton, na Rua Setenta e Dois, dando
para o East River, e que é também o quartel-general do que Elaine Dundy chama
de “Grupo Literário de Qualidade”, ou o que Candida Donadio, a agente,
classifica de a “Turma da Paris Review”.
O apartamento de Plimpton é hoje o mais movimentado salão literário de Nova
York – o último local onde, permanecendo na mesma sala em qualquer noite da
semana, é possível encontrar James Jones, William Styron, Irwin Shaw, algumas
bonecas para decorar o ambiente, Norman Mailer, Philip Roth, Lillian Hellmann,
um tocador de bongo, Harold L. Humes, Jack Gelber, Sadruddin Aga Khan, Terry
Southern, Blair Fuller, o elenco de Beyond
the Fringe, Tom Keogh, William Pène du Bois, Bee Whistler Dabney
(descendente da mãe de Whistler), Robert Silvers e um zangado veterano da
invasão da Baía dos Porcos, uma coelhinha aposentada do Playboy Club, John P.C.
Train, Joe Fox, John Phillips Marquand, a secretária de Robert W. Dowling,
Peter Duchin, Gene Andrewski, Jean vanden Heuvel, o antigo treinador de boxe de
Ernest Hemingway, Frederick Seidel, Thomas H. Guinzburg, David Amram, um barman do centro da cidade, Barbara
Epstein, Jill Fox, um distribuidor local de entorpecentes, Piedy Gimbel, Dwight
MacDonald, Bill Cole, Jules Feffer. E nesta cena, numa noite de inverno,
penetrou uma velha amiga de George Plimpton: Jacqueline Kennedy.
- Jackie! – exclamou George, ao abrir a porta e dar com a
Primeira-Dama, acompanhada da irmã e do cunhado, os Radziwills. A Sra. Kennedy,
sorrindo amplamente, entre dois cintilantes brincos, estendeu a mão a George, a
quem conhece desde os tempos de infância, e conversaram alguns minutos no hall, enquanto George a ajudava a despir
o casaco. Depois, espreitando para o quarto e reparando numa pilha de
sobretudos mais alta que um Volkswagen,
a Sra. Kennedy falou, numa voz suave, cheia de simpatia:
- Oh George! A sua
cama!
George deu de ombros e escoltou-os pelo hall, descendo três degraus até a sala enfumaçada.
- Olhe, - disse uma boneca, a um canto – lá está a irmã de
Lee Radziwill!
George apresentou primeiro Ved Mehta, o escritor indiano, à
Sra. Kennedy, depois esgueirou-se habilmente com ela por Norman Mailer,
seguindo em direção a William Styron.
- Olá, Bill – disse ela, apertando-lhe a mão. – É um prazer
vê-lo. Conversando com Styron e Cass Canfield, a Sra. Kennedy ficou de costas
para Sandra Hochman, poetisa de Greenwich Village, loura oxigenada, vestindo um
grosso suéter de lã e calças de esqui parcialmente abertas.
- Creio que estou um pouco déshabillée – murmurou a Srta. Hochman a um amigo, com sinal de
cabeça para o belo terninho em brocado branco da Sra. Kennedy.
- Tolice – disse o amigo, jogando cinza de cigarro no
tapete.
E para falar a verdade é preciso dizer que nenhuma das
setenta pessoas presentes na sala achou que os trajes de Sandra Hochman
contrastassem de maneira desagradável com os da Primeira-Dama; de fato, alguns
nem a notaram, e houve quem a visse, sem a reconhecer.
- Ora, - falou, alguém espreitando através a fumaça em
direção ao complicado penteado da Sra. Kennedy – aquilo é moda este ano, não é?
E aquela garota quase acertou.
Enquanto a Sra. Kennedy conversava a um canto, a Princesa
Radziwill batia um papo com Bee Whistler Dabney, pouco adiante, e o Príncipe
Radziwill permanecia sozinho junto ao piano de cauda, cantarolando baixinho,
como faz com frequência em reuniões. Em Washington, é conhecido como um grande
cantarolador.
Quinze minutos após, a Sra. Kennedy, que era aguardada num
jantar oferecido por Adlai Stevenson, despediu-se de Styron e Canfield, e,
acompanhada de George Plimpton, dirigiu-se aos degraus que levavam ao hall. Norman Mailer, que entretanto
bebera três copos de água, estava junto aos degraus e fitou-a com fixidez
quando ela passou. Jacqueline não retribuiu o olhar.
Três rápidos passos e ela desapareceu – transpôs o hall, vestiu o casaco e as longas luvas
brancas, e desceu dois lances de escada até a calçada, sequida pelos Radziwills
e George Plimpton.
- Vejam! – gritou uma loura, Sally Belfrage, olhando da
janela da cozinha para as pessoas que entravam na limusine. – Lá está George! E veja que carro!
- Que é que há de extraordinário no carro? – perguntou
alguém. – É apenas um Cadillac.
- Sim, mas é preto
e não tem enfeites cromados.
Sally Belfrage viu o grande veículo, apontando na direção de
um outro mundo, deslizar macio para longe, mas na sala a festa continuava mais
animada que nunca, e quase ninguém notou que o anfitrião desaparecera. Mas havia
bebida e bastava lançar um olhar às fotos das paredes para sentir a presença de
George Plimpton. Uma fotografia mostra-o toureando pequenos touros na Espanha,
com Hemingway. Outra surpreendeu-o bebendo cerveja com os “Jovens Altos” num
café parisiense. Outras exibem-no como tenente, marchando com um pelotão pelas
ruas de Roma. Ou como tenista do King’s College, lutador amador, sparing para Archie Moore no Ginásio
Stillman, ocasião em que o cheiro a ranço do local foi temporariamente
substituído pelo perfume a almíscar do El
Morocco e os aplausos dos amigos de Plimpton quando ele conseguiu um golpe
certeiro, rapidamente transformado num “Ohhhhhhhh” quando Archie Moore rebateu
com um soco que quebrou em parte a cartilagem do nariz de Plimpton, fazendo-o
sangrar e levando Miles Davis a perguntar depois:
- Archie, esse sangue nas suas luvas é negro ou branco?
Ao que um dos amigos de Archie replicou: - Senhor, isto é
sangue azul.
Na parede vê-se ainda um rebab, instrumento de uma corda,
feito de couro de bode, e que os beduínos lhe ofereceram antes que ele fizesse
um pequeno papel em Lawrence of Arabia,
durante uma tempestade de areia. E sobre o piano de cauda – ele toca bastante
bem para ter conquistado um terceiro prêmio, na Noite dos Amadores, no Teatro
Apolo, cerca de dois anos passados, na Harlem – vê-se um coco que lhe foi
enviado por uma nadadora que ele conheceu em Palm Beach, e também a fotografia
de outra jovem, Vali, existencialista de cabelos cor de laranja, conhecida de
todas as concierges na Rive Gauche
como la bête; e também um bastão de
basebol, que Plimpton ocasionalmente atira do lado oposto do living, a uma poltrona baixinha, gorda e
acolchoada, usando o mesmo desabafo que quando praticava contra Willie Mays ao
pesquisar para seu livro Out of My League,
sobre os sentimentos de um amador entre profissionais – e que, aliás, é uma
chave não só para George Ames Plimpton, como também para vários outros da Paris Review.
Vários deles vivem obcecados pelo desejo de saber como viver
a outra metade. Assim travam amizade com as figuras mais interessantes entre os
excêntricos, evitamos chatos de Wall Street e mergulham no mundo dos
traficantes, pederastas, boxadores e aventureiros, em busca de emoções e
literatura, influenciados talvez por aquela gloriosa geração de motoristas de
ambulância que os precedeu em Paris, aos vinte e seis anos.
Em Paris, no início da década de cinquenta, sua grande
esperança era Irwin Shaw porque, nas palavras de Thomas Guinzburg, um homem de
Yale então editor gerente da Paris Review,
“Shaw era rijo jogador de tênis, escritor que sabia beber e tinha uma esposa
bonita – o que havia de mais próximo a Hemingway”. Claro que o editor chefe
George Plimpton, então como agora, mantinha a revista em andamento, conservava
o grupo reunido, estabelecia um estilo de romantismo que era – e ainda é –
infeccioso.
Chegando a Paris na primavera de 1952, com um guarda-roupa
que incluía o fraque da futura rainha da Inglaterra, mudou-se imediatamente
para um galpão de ferramentas nos fundos de uma casa, cujo proprietário era um
sobrinho de Gertrude Stein. Como a porta do galpão estava enguiçada, Plimpton,
para entrar, teve que passar a si mesmo seus livros e o fraque do avô pela
janela. A cama era uma enxerga comprida e estreita, flanqueada por um cortador
de grama e uma mangueira de jardim com um cobertor elétrico que Plimpton nunca
se lembrava de desligar – de modo que, ao voltar para casa à noite e atirar-se
na enxerga, era em geral saudado pelos furiosos miados de vários gatos vadios,
relutantes em abandonar o calor que seu esquecimento proporcionara.
Numa noite de solidão, antes de voltar para casa, Plimpton
fez um passeio por Montparnasse, percorrendo as mesmas ruas e passando pelos
mesmos cafés que Jake Barnes visitara depois de abandonar Lady Brett em The Sun Also Rises. Plimpton queria ver
o que Hemingway vira, sentir o que ele sentira. Terminado o passeio, entrou no
bar mais próximo e pediu um drinque.
Em 1952, a sede da Paris
Review era um escritório de uma só peça, na Rue Garancière, 8. Como
mobiliário tinha uma escrivaninha, quatro cadeiras, uma garrafa de brandy e várias garotas de Smith e
Radcliffe, vivas e de longas pernas, ansiosas para ingressar no expediente da
revista, a fim de convencerem os pais de sua inocência no estrangeiro. Mas
tantas jovens chegavam e saíam que o gerente comercial de Plimpton, um rapaz
baixinho, de língua ferina, diplomado por Harvard e chamado John P.C. Train,
decidiu que seria ridículo recordar o nome de todas, declarando que de então em
diante seriam chamadas por um só nome: Apetecker. Mas as alunas Apetecker
incluíram, em diferentes ocasiões, Jane Fonda, Joan Dillon Moseley (filha do
secretário do Tesouro Dillon), Gail Jones (filha de Lane Horne), e Louisa Noble
(filha do treinador de futebol Groton), garota muito dedicada, mas esquecida,
que vivia perdendo manuscritos, cartas, dicionários. Um dia, ao receber uma
carta de um bibliotecário queixando-se de que a Srta. Noble estava um ano
atrasada na entrega do livro, John P.C. Train respondeu:
Caro senhor:
Tomo a liberdade de escrever-lhe de meu próprio punho porque a Srta. L.
Noble levou consigo, na última vez em que esteve neste escritório, a máquina de
escrever na qual eu estava habituado a redigir meus bilhetes. Se ela entrar na
sua livraria, pergunte-lhe, por favor, se poderia nos devolver a máquina.
Incluso fórmula em
branco para assinatura.
Respeitosamente,
J.O.C. Train
Já que a sala única da Paris
Review era evidentemente demasiado pequena para preencher as necessidades
do staff no sentido de misturar
negócios e prazer, e já que havia também um limite ao número de horas que
poderiam passar nos cafés, todo mundo se reunia em geral às cinco da tarde no
apartamento de Peter e Patsy Mathiessen, na Rua Perceval, 14, onde haveria com
certeza uma festa em andamento.
Peter Mathiessen, então editor de ficção da Paris Review, era um diplomado de Yale,
alto e magro, que, quando menino, frequentara a St. Bernard School de Nova York
com George Plimpton e escrevia então seu primeiro romance, Race Rock. Patsy era uma lourinha encantadora, viva, de olhos
azuis-pálidos e um corpo maravilhoso. Todos os rapazes de vinte e seis anos
estavam apaixonados por ela. Filha do falecido Richard Southgate, ex-chefe de
Protocolo do Departamento de Estado, Patsy frequentara as festas dos filhos de
Kennedy, tivera governantas e motoristas particulares e, no seu primeiro ano em
Smith, em 1948, fora a Paris e conhecera Peter. Três anos depois, casados,
voltaram a Paris e alugaram por 21 dólares mensais aquele apartamento em
Montparnasse, desocupado quando a ex-namorada de Peter viajara para a
Venezuela.
O apartamento tinha pé direito alto, um terraço e muito sol.
Uma das paredes era um afresco de Foujita, uma gigantesca cabeça de gato. A
outra parede era toda de vidro, contra o qual batiam grandes árvores e cresciam
trepadeiras. Os visitantes tinham às vezes a impressão de encontrarem-se num
monstruoso aquário, especialmente às seis da tarde, quando a sala estava cheia
de gim holandês e absinto, a cabeça do felino parecia maior, alguns vagabundos
entravam, vagueavam pelo recinto, cumprimentavam de cabeça, e instalavam-se
silenciosamente a um canto.
Aquele apartamento, na década de cinquenta, era o ponto de
encontro dos jovens literatos americanos, assim como o de Gertrud Stein o fora
na década de vinte, captando a atmosfera que na de sessenta prevaleceria no
apartamento de George Plimpton, em Nova York.
William Styron, frequentador dos Matthiessen, descreve o
apartamento no romance Set This House On
Fire; outros romancistas ali eram encontrados: John Phillips Marquand e
Terry Southern, ambos editores da Paris
Review, às vezes James Baldwin, quase sempre Harold L. Humes, um rapaz
robusto, infatigável, impulsivo, que usava barba, boina e um guarda-chuva de
cabo de prata. Depois de expulso do MIT por levar uma garota de Radcliffe a
velejar várias horas depois do período regulamentar e passar um infeliz período
com a Marinha, preparando maionese em Bainbridge, Maryland, Harold Humes
estourou em plena revolta no cenário de Paris.
Tornou-se jogador de xadrez dos cafés, ganhando várias
centenas de francos por noite. Foi nos cafés que conheceu Peter Matthiessen e
ambos falaram em fundar uma pequena revista, a Paris Review. Antes de vir a Paris, Humes nunca trabalhara numa
publicação, mas apreciara muito uma revista com o nome de Zero, editada por um grego baixinho chamado Themistocles Hoetes,
Them para todos. Impressionado com o que Them fizera em Zero, Humes adquiriu por 600 dólares a revista The Paris News Post, que John Ciardi classificou mais tarde como “a
melhor imitação em quarta categoria do New
Yorker que jamais vi”, e para a qual Matthiessen olhava com condescendência
e superioridade, de modo que Humes vendeu-a por 600 dólares a uma jovem inglesa
muito nervosa, em cujas mãos ela entrou em colapso no número seguinte. Então
Humes, Matthiessen e outros iniciaram uma longa série de palestras sobre a
política – se é que haveria alguma – a seguir na Paris Review, caso a publicação ultrapasse o estágio de
conversações e bebidas.
Quando a revista finalmente organizou-se, e George Plimpton
foi escolhido como editor em lugar de Humes, este mostrou-se desapontado.
Recusou-se a abandonar os cafés para vender anúncios ou negociar com
impressores franceses. E no verão de 1952 não hesitou em abandonar Paris com
William Styron, aceitando um convite de uma atriz francesa, Mme. Nénot, para ir
a Cap Myrt, próximo a Saint-Tropez, visitar sua mansão de cinquenta peças,
planejada pelo pai, um arquiteto. A casa fora ocupada pelos alemães no início
da guerra; assim, quando Styron e Humes chegram, encontraram ainda buracos nas
paredes, através os quais podiam olhar o mar. O mato estava tão espesso e as
árvores tão frondosas e cobertas de trepadeiras que o pequeno Volkswagen de Humes enguiçou nas raízes.
Então, seguiram a pé para a casa, mas detiveram-se quando passou correndo uma
jovem seminua, muito bronzeada de sol, usando apenas lenços à guisa de biquíni,
a boca cheia de uvas. Gritando atrás dela corria um velho fazendeiro francês,
cujas parreiras ela evidentemente assaltara.
- Styron, -
exclamou Humes alegremente – chegamos!
- Sim, estamos aqui mesmo!
Outras ninfetas surgiram de biquíni entre as árvores,
carregando uvas e também metades de abóboras do tamanho de rodas de carruagens,
oferecendo-as a Styron e Humes. No dia seguinte, saíram todos para nadar e
pescar e à noite instalaram-se na casa bombardeada, local de extraordinária
beleza e destruição, bebendo vinho com as moças que pareciam pertencer somente
à praia. Foi o verão dinâmico, com as ninfetas a rodeá-los como mariposas
contra a luz. Styron recorda-o como uma cena de Ovídio, Humes como o ápice de
sua carreira como epicuro e scholar.
George Plimpton não achou romântico aquele verão – foi
quente, longo, cheio de frustrações com os impressores franceses e os
anunciantes; e os outros membros da equipe, em especial John P.C. Train,
estavam tão aborrecidos com a partida de Humes, que decidiram transferir seu
nome do expediente, onde figurava como um dos fundadores, colocando-o sob
“publicidade e circulação”.
Quando saiu o primeiro número da revista, na primavera de
1953, Humes encontrava-se nos Estados Unidos. Mas soubera o que haviam feito
com ele e, furioso, planejou uma vingança. Quando o navio chegou ao píer do rio Hudson, trazendo milhares de
exemplares da Paris Review que seriam
distribuídos pelos Estados Unidos, Harold Humes, com o seu boné e praguejando “Le Paris Review c’est moi!”
encontrava-se no cais, à espera. Abrindo os amarrados e munido de um carimbo
com o seu nome em letras maiores que as de todos os outros do expediente,
pôs-se a carimbar todos os exemplares, tarefa que levou várias horas e que o
deixou totalmente exausto.
- Mas... mas... como é que você pode fazer uma coisa dessas?
– perguntou George Plimpton na vez seguinte em que encontrou Humes.
Este se mostrava triste, quase choroso, mas num rasgo final
de vingança exclamou:
- Ninguém vai me empurrar de um lado para outro, diabo!
Explosões desse tipo eram muito comuns na Paris Review. Terry Southern ficou
furioso quando uma frase de um de seus contos foi modificada de “não deixe
esquentar sua merda” para “não se esquente”. Dois poetas queriam dissecar John
P.C. Train quando um impressor francês acidentalmente derramou os tipos de um
poema dentro de outro, os dois surgiram como uma poesia só na revista e Train
casualmente observou que o descuido do impressor havia na verdade melhorado o
trabalho de ambos.
Outra causa de caos foi a polícia parisiense, que parecia
estar sempre perseguindo o esquadrão noturno de pregadores de cartazes de John
Train, um grupo de rapazes de Yale e garotos árabes, que corriam a cidade à
noite colando grande posters da Paris Review em todos os postes, ônibus
e mictórios que encontrassem. O ás do esquadrão, um rapaz alto, graduado de
Yale, chamado Frank Musinsky, era tão impressionante que John Train decidiu
chamar os outros de Musinskys – assim como chamava as garotas de Apetecker – o
que Frank considerou uma grande honra, embora seu verdadeiro sobrenome não
fosse Musinsky. Seu avô, cujo verdadeiro nome era Supovitch (sic) trocara de nome na Rússia, há
vários anos, com um conterrâneo que, em troca de uma quantia concordara em
assumir o lugar do avô Frank no Exército russo.
Ninguém sabe que fim levou, mas o avô de Frank veio para os
Estados Unidos, onde o filho mais tarde prosperou no negócio retalhista de
calçados e o neto, Frank, após o curso em Yale e as aventuras com o esquadrão
de Train, conseguiu um emprego no New
York Times – perdendo-o logo em seguida.
Fora contratado como contínuo do setor esportivo do Times e como tal esperava-se que
transportasse provas de paquê, enchesse os vidros de cola e não se sentasse por
trás de uma escrivaninha, pés sobre ela, lendo Yeats e Pound e
recusando-se a movimentar-se.
Certa noite, um editor gritou:
- Musinsky, você é sem dúvida o pior contínuo na história do
Times.
Ao que Musinsky replicou, altivo:
- Senhor, citando E.E. Cummings, de quem o senhor já deve
ter ouvido falar, “Desta merda não comerei”.
E voltando s costas ao redator, Frank Musinsky abandonou a
redação do Times para nunca mais
voltar.
Entretanto, seu lugar no esquadrão volante de Paris foi
ocupado por vários outros Musinskys – Colin Wilson foi um deles – que ajudaram
a preservar a tradicional irreverência pela burguesia, o Establishment e até pelo falecido Aga Khan que, depois de oferecer
um prêmio de mil dólares por um trabalho de ficção, apresentou seu próprio
manuscrito.
O editores rapidamente aceitaram-lhe o dinheiro e com igual
rapidez deixaram bem claro que seu estilo em prosa não era aquilo que
procuravam, embora o próprio filho do Aga, Sadruddin Khan, amigo de Plimpton em
Harvard, fosse um dos editores da Paris
Review, sugestão feita por George e aceita impulsivamente por Sadruddin, um
dia em que ambos corriam dos touros em Plamplona – momento em que, George
suspeitou corretamente, Sadriddin teria concordado com qualquer coisa.
Por mais improvável que pareça, apesar de todos os Musinskys
e Apeteckers voando em todas as direções, a Paris
Review saiu-se muito bem, publicando ótimos contos de jovens escritores
como Philip Roth, Mac Hyman, Pati Hill, Evan Connell Jr., Hughes Rudd e, é
claro, distinguindo-se principalmente por sua “Arte da Ficção”, entrevistas com
autores famosos, onde se destacam particularmente a que William Faulkner
concedeu a Jean Stein vanden Heuvel e a de Hernest Hemingway a Plimpton
iniciada num café de Madri com Hemingway perguntando:
- Você vai às corridas?
- De vez em quando.
- Então, leia The
Racing Form. Ali encontrará a verdadeira Arte da Ficção.
Mais que por qualquer outro motivo, a Paris Review sobreviveu porque tinha dinheiro. E seu staff se divertia porque sabia que se um
dia fossem parar na prisão, os amigos ou a família pagariam a fiança. Jamais
precisariam partilhar com James Baldwin a experiência de passar oito dias e
oito noites numa suja cela francesa, sob acusação errônea de ter roubado um
lençol do hotel, o que levara Baldwin a concluir que embora a miserável ronda
de quartos de hotel, má alimentação, porteiras insuportáveis e contas por pagar
possam ser a Grande Aventura para os “Rapazes Altos”, para ele não foi, porque
“eu debatia mentalmente de forma bastante real qual dos dois terminaria antes,
a Grande Aventura, ou eu”.
A relativa opulência da Paris
Review tornou-a, é claro, objeto de inveja de outras publicações menores,
especialmente de uma revista trimestral chamada Merlin. Alguns dos seus editores acusavam a turma da Review de diletantismo, ressentiam-se de
suas brincadeiras, e de que a revista continuasse a ser publicada enquanto Merlin, que também descobrira e
publicara talentos novos, breve encerraria a carreira.
Naquele tempo, o editor de Merlin era Alexander Trocchi, nascido em Glasgow de mãe escocesa e
pai italiano, figura literária muito vibrante e destacada, homem alto,
fisionomia satânica, orelhas de fauno, talento para escrever e presença
marcante, que lhe permitiam penetrar numa sala e imediatamente assumir a
liderança. Mais tarde se tornaria amigo de George Plimpton, John Phillips
Marquand e a turma da Review e anos
após viveria numa barcaça em Nova York, e depois nos fundos da redação da Paris Review, em Manhattan. Foi
eventualmente preso pelo uso de narcóticos e saiu dos Estados Unidos com dois
dos ternos Brooks Brothers de George
Plimpton. Mas deixaria para trás um bom romance a respeito do vício de drogas, Cain’s Book, com sua linha memorável: “Heroin is habit-forming... habit-forming...
rabbir-forming... Babbitt-forming”.
O staff de
Alexander Trocchi em Merlin era
construído naquele tempo sobretudo de rapazes sem senso de humor, em verdadeira
rebelião, o que não acontecia com a turma da Paris Review; a turma de Merlin
lia também o mensário esquerdista Les
Temps Modernes, preocupando-se com a importância de ser engagé. Entre os editores contava-se
Richard Seaver, educado na zona mineira da Pensilvânia e em cuja garagem úmida
e escura Merlin realizava suas reuniões, e também Austryn Wainhouse,
desencantado homem de Exeter-Harvard, que escreveu um romance vigoroso,
esotérico, Hedyphagetica, e que após
vários anos na França vive agora em Martha’s Vineyard construindo mobília
segundo os métodos do século XVIII.
Embora todo o staff de
Merlin fosse pobre, ninguém o era
tanto como Christopher Logue, de quem se contava que, certa vez, apostando numa
máquina automática num café, reparou numa velha mendiga esfarrapada olhando
para uma moeda de cinco francos caída no chão, junto da máquina. Mas antes que
pudesse apanhá-la, Logue esticou o pé e pisou-a, conservando-se no mesmo lugar,
enquanto a velha gritava e ele continuava a segurar-se, desajeitado, com ambas
as mãos, à máquina, tentando manter a bola em movimento, até que o proprietário
do café o agarrou pelo braço e expulsou-o.
Pouco depois, quando a namorada o abandonou, Logue caiu sob
a influência de um louco tipo Svengali que morava em Paris, pintor sul-africano
de fisionomia macilenta, discípulo de Nietzsche e de seu dictum “Morra na hora certa” e que, à procura de emoções, encoraja
Logue a suicidar-se. Mergulhado em depressão, ele afirmava que o faria.
Austryn Wainhouse, que desconfiava que Logue andava pensando
muito em matar-se, passou uma semana sentado diante do hotel do amigo, vigiando-lhe
a janela. Uma tarde, quando Logue não apareceu para um encontro marcado,
Wainhouse correu ao hotel do poeta e encontrou o pintor sul-africano na cama do
amigo.
- Onde está Chris? – perguntou.
- Não direi a você – replicou o pintor. – Pode me bater, se
quiser. Você é maior e mais forte e...
- Eu não quero bater em você – gritou Wainhouse.
Ocorreu-lhe então o quanto era ridícula a observação do
sul-africano, uma vez que ele (Wainhouse) era muito mais baixo e franzino que o
outro.
- Ouça, - disse finalmente – não saia daqui.
E correu ao café onde sabia que encontraria Trocchi.
Trocchi forçou o sul-africano a falar e a confessar que
Christopher Logue partira naquela manhã para Perpignan, próximo à fronteira com
a Espanha, doze horas ao sul de Paris, onde pretendia suicidar-se como o
personagem do conto de Samuel Beckett publicado em Merlin e intitulado “The End”. Alugaria um barco e remaria para o
largo, cada vez mais longe, depois abriria as saídas e afundaria lentamente.
Trocchi, pedindo emprestados 30.000 francos a Wainhouse,
pegou o primeiro trem para Perpignan, cinco horas após Logue. Era noite quando
chegou, porém, bem cedo na manhã seguinte, começou a busca.
Logue, entretanto, tentara alugar um barco, mas não tinha
dinheiro suficiente. Levava consigo, além de cartas da ex-namorada, uma lata de
veneno. Mas não tinha abridor, nem havia rochedos na praia, de modo que se pôs
a caminhar, frustrado e frenético, até finalmente chegar a uma barraquinha de
refrescos, onde esperava pedir emprestado o abridor.
Foi então que Trocchi o avistou e pousou a mão no seu ombro.
Logue ergueu a vista, e perguntou casualmente, passando-lhe a lata de veneno:
- Alex, quer abrir isto para mim?
Trocchi guardou a lata no bolso.
- Alex! Que é que
você está fazendo aqui?
- Ora, - replicou Trocchi, em tom leve – vim atrapalhar
você.
Logue desatou a chorar, o outro ajudou-o a sair da praia e
os dois voltaram em silêncio quase total a Paris, de trem.
Imediatamente, George Plimpton e vários outros da Paris Review, que gostavam muito de
Logue e se orgulhavam de Trocchi, reuniram uma quantia para conceder ao poeta
uma espécie de mesada. Mais tarde, Logue voltou a Londres e publicou livros de
poesia. Suas peças Antigone e The Lily-White Boys foram representadas
no Royal Court Theatre de Londres. Mais tarde ainda passou a escrever canções
para The Establishment, show satírico representado numa boate
londrina.
Após o episódio Logue, que, segundo George Plimpton, enviou
pelo menos meia dúzia de jovens romancistas voando para suas máquinas, na
tentativa de construir um livro baseado no episódio, a vida em paris e na Review voltou a ser feliz e devassa. Mas
passado um ano, com a revista ainda vendendo bem, Paris lentamente pareceu
estagnar-se.
John P.C. Train, então editor-gerente, colocou um aviso na
caixa existente em sua mesa destinada a receber matéria, que dizia “Por Favor
Não Coloque Nada na Caixa do Editor-Gerente”, e um dia em que um simpático
rapaz de olhos azuis, nascido no Oaklahoma e chamado Gene Andrewski, surgiu com
um manuscrito mencionando que colaborara para revistas humorísticas de seu
colégio, John Train rapidamente ofereceu-lhe uma cerveja, dizendo:
- Que acha de dirigir esta revista?
Andrewski respondeu que ia pensar. Pensou alguns segundos,
olhou em volta, viu todo mundo bebendo cerveja e concordou em tornar-se uma
espécie de Assistente-de-Editor-Gerente-Encarregado-de-Fazer-o-Trabalho-de-Train.
E explicou amis tarde:
- Aceitei o emprego principalmente porque queria liberdade.
Em 1956, Peter Duchin mudou-se para Paris, e passou a morar
numa barcaça no Sena, onde muita gente da Paris
Review começou a residir também. Não havia água na barca e pela manhã todos
tinham que se barbear com Perrier. Mas qualquer tentativa de divertimento a
bordo foi inútil porque a essa altura a maior parte da antiga turma já havia
partido. Conforme sugeriu Gertrude Stein, Paris era o local ideal para os
jovens de vinte e seis anos, mas a maioria já estava com trinta. Regressaram
então a Nova York – mas não com a melancolia dos exilados de Malcolm Cowley na
década de vinte, forçados a voltar para casa às primeiras ondas do crack da bolsa, e sim com a atitude de
que a festa passaria ao outro lado do Atlântico. Breve Nova York percebeu a sua
presença, particularmente a de Harold L. Humes.
Depois de alugar um grande apartamento na Broadway, onde
passou a morar com a mulher, as filhas e um pelo-de-arame cabeludo, e instalar
sete telefones e um grande cortador de papel que soava como a guilhotina do
século XVIII, Humes lançou uma série de ideias e de feitos extraordinários:
descobriu uma teoria da cosmologia que abalaria Descartes, terminou o segundo
romance, tocou piano num clube de jazz
do Harlem, começou a rodar um filme chamado Don
Peyote, uma espécie de versão de Don Quixote em Greenwich Village, cujo
protagonista era um desconhecido de Kansas City, Ojo de Vidrio, cuja namorada
eventualmente se apoderou do filme, fugindo com ele. Humes inventou ainda uma
casa de papel, uma verdadeira casa de
papel impermeável, à prova de fogo e bastante espaçosa para nela se poder
morar. Instalou um modelo em tamanho natural na propriedade da família de
George Plimpton em Long Island e corporação de Humes, que incluía elementos da
turma da Paris Review, segurou o
cérebro de Humes por milhão de dólares.
Durante a Convenção Democrática Nacional em 1960, Humes
conduziu uma falange de stevensonianos à cena, empregando a técnica dos
exércitos atenienses. Regressando a Nova York, solicitou uma investigação da
polícia e o delegado pediu então uma investigação sobre Humes – descobrindo
quatorze multas de trânsito por pagar. Humes esteve na prisão o bastante para
ser descoberto pela Comissária de Correções, Anna Kross, que ao reconhece-lo
por trás das grades exclamou:
- Ora, Sr. Humes, que está fazendo aqui?
Ao que ele replicou com a frase de Thoreau a Emerson:
- Ora, Srta. Kross, que está fazendo aí fora?
Quando liberto após a fiança paga por Robert Silvers, outro
editor da Paris Review, Harold Humes,
indagado pelos repórteres sobre o que achara da prisão, respondeu novamente
como Thoreau:
- Em tempos de injustiça, o lugar do homem honesto é a
prisão.
Robert Silvers, um dos poucos editores tranquilos da Review, homem sem vícios aparentes,
exceto o de fumar na cama, não encontrou onde ficar ao regressar de Paris, de
modo que ocupou temporariamente o quarto de hóspedes do apartamento de George
Plimpton, na Rua Leste 72, onde passou a queimar buracos no colchão,
enchendo-os depois com caroços de pêssego. George Plimpton não protestou,
Silvers era um velho amigo. Além disso, o colchão não pertencia a Plimpton e
sim a uma modelo que morara por algum tempo no apartamento e que surpreendeu os
dois editores escrevendo uma carta, certo dia, pedindo que remetessem o colchão
para a sua casa, na França. Enviaram-no com buracos e tudo e, não tendo
recebido queixas, acalentam com alegria a ideia de que em algum ponto de Paris,
no apartamento muito elegante de uma modelo de alta moda, existe um colchão
entulhado de caroços de pêssego.
Felizmente para Plimpton não foi preciso comprar novo
colchão para o quarto de hóspedes, porque naquela época a Paris Review fora expulsa de seu escritório instalado num edifício
de apartamentos da Rua 82. Plimpton levou então para casa a pequena cama que
existia nos fundos da redação – local de tantas festas que estava reduzido a um
amontoado de garrafas quebradas, colheres tortas, tortas, ratos e manuscritos
roídos.
Após a expulsão, a redação nova-iorquina da Paris Review mudou-se para o tranquilo
bairsso de Queens onde, num casarão entre o Grand Central Parkway e um
cemitério, Lillian von Nickern Pashaian, quando não está cuidando de três
filhos, canários e tartarugas, aceita manuscritos dirigidos à revista,
remetendo-os para leitura a Jill Fox, em Bedford Village, Nova York, ou a Rose
Styron, em Roxbury, Connecticut. Caso gostem do que leram, remetem o manuscrito
ao apartamento de George Plimpton onde, entre outras atividades, ele faz uma leitura
final e decide se deve ou não aceitar. Caso positivo, o autor recebe em geral
um pequeno cheque e tem direito a beber o quanto quiser na próxima festa de
Plimpton.
Tais festas são às vezes planejadas poucas horas antes de
seu início. George toma o telefone e liga para algumas pessoas. Estas, por sua
vez, ligam para outras. Num instante ouve-se o tropel de passos subindo a
escada. O motivo pode ter sido a vitória de Plimpton numa partida de tênis
jogada pouco antes no Racquet, ou no Clube de Tênis; ou então um componente da
turma da Paris Review está lançando
um livro (neste caso, o editor é convidado a partilhar as despesas), ou alguém
acaba de chegar de viagem – viagem que talvez tenha levado John P.C. Train,
consultor financeiro, à África, ou Peter Matthiessen à Nova Guiné, para viver
com homens da Idade da Pedra, ou Harold Humes ao Bronx, para lutar no tribunal
contra uma multa de estacionamento.
Dando tantas festas, distribuindo tantas chaves de seu
apartamento, mantendo os nomes de velhos amigos no expediente da Paris Review muito tempo depois que
deixaram de trabalhar na revista, George Ames tem conseguido conservar a turma
reunida do decorrer de todos esses anos, criando também à sua volta um mundo
romântico, livre, divertido, no qual ele e os amigos talvez consigam fugir
temporariamente à inevitabilidade dos trinta e seis anos.
Esse mundo transpira
encanto, talento, beleza, aventura. É a inveja dos que não são convidados,
particularmente algumas Apeteckers mães de família que moram nos subúrbios e
criam filhos e que com frequência se perguntam: “Quando é que a turma vai
assentar a cabeça”?.
Alguns elementos do grupo conservaram-se solteiros. Outros
casaram com mulheres que gostam de festas – ou divorciaram-se. Outros ainda
entraram num entendimento segundo o qual se a mulher está demasiada cansada
para uma festa, o marido vai sozinho. É, em grande parte, um mundo masculino,
ligado pelas recordações de Paris e da Grande Aventura que partilharam. São
poucos os exilados, mas há alguns – um dos quais a bonita loura que povoava os
pensamentos de todos em Paris, há dez anos passados – Patsy Mathissen.
Patsy e Peter divorciaram-se. Ela está agora casada com
Michael Goldberg, pintor abstrato, mora na Rua Onze Oeste e circula no pequeno
mundo dos intelectuais e pintores do centro da cidade. Recentemente esteve
internada várias dias num hospital, mordida pelo cão da viúva de Jackson
Pollock. No apartamento conserva uma caixa cheia de fotos da turma da Paris Review na década de cinquenta, mas
recorda esse tempo com certa amargura.
- Depois de algum tempo, a vida inteira parecia desprovida
de significado. E havia algo de muito manqué
naqueles rapazes: indo para o oeste da África, passando pela prisão, lutando no
ringue com Archie Moore... e eu era uma Faz-Tudo para a turma, preparava chá às
quatro horas e sanduíches às dez...
A poucos quarteirões de distância, num apartamento pequeno e
sombrio, outro exilado, james Baldwin, diz:
- Em pouco tempo deixei de fazer parte da turma. Viviam mais
interessados em emoções e cigarros de haxixe do que. Já fizera tudo isso aos
dezessete ou dezoito anos na Village e a essa altura me parecia meio chato.
Costumavam também a ir Montparnasse, onde se reuniam todos os pintores e
escritores e que eu raro frequentava. E ficavam horas e horas rondando os cafés
à procura de Hemingway. Aparentemente não percebiam que Hemingway desaparecera
há muito tempo.
Texto extraído do livro Aos Olhos da Multidão [Fame and
Obscurity] por Gay Talese,
pela Editora Expressão e Cultura (1973).
Página 137 até 155
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