segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

O Mulato - Aluísio Azevedo (trechos)


- Tenho um desgosto desta gordura!... lamentava-se ela às camaradas, que lhe elogiavam a exuberância adiposa. Se eu soubesse de um remédio para emagrecer... tomava!
As amigas procuravam consolá-la: "Dá-me gordura  que te darei formosura! - Gordura é saúde!"
Mas a repolhuda moça não se conformava com aquela desgraça. Vivia triste. As banhas cresciam-lhe cada vez mais; estava vermelha; cansava por cinco passos. Era um desgosto sério! Recorria ao vinagre; dava-se a longos exercícios pela varanda; mas qual! - as enxúdias aumentavam sempre; Lindoca estava cada vez mais redonda, mais boleada; a casa estremecia cada vez mais com o seu peso, os olhos desapareciam-lhe na abundância das bochechas; o seu nariz parecia um lombinho; as suas costas uma almofada. Bufava.
pag. 61

[Sobre o personagem Sebastião Campos na página 67:]


- Não sou bairrista, não senhor... dizia o maçante, mas o nosso Maranhãzinho é um torrão privilegiado!...
E citava, com orgulho, "os Cunha, os Odorico Mendes, os Pindaré, os Sotero et cetera! et cetera!" O seu modo de dizer et cetera era esplêndido!
- Temos os nossos faustos, temos!
pag. 68

- Acontece, meus senhores, com um boato, que corre a província, o mesmo que com uma pedra levada pela enxurrada da chuva; à proporção que rola, de rua em rua, de beco em beco, de fosso em fosso, vão-se-lhe apegando toda a sorte de trapos e imundícias, que encontra na sua vertiginosa carreira; de sorte que, ao chegar à boca-do-lobo, já se lhe não reconhece a primitiva forma. Do mesmo feitio quando uma notícia chega a cair no esquecimento, já tão desfigurada vai de si, que da própria não conserva mais do que a origem!
pag. 180

- Não é ainda para os nossos beiços, repito! nós não estamos preparados para a república! O povo não tem instrução! É ignorante! é burro! não conhece os seus direitos!
- Mas venha cá! replicou Casusa, fechando no ar a sua mão pálida e encardida de cigarro. Diz você que o povo não tem instrução; muito bem! Mas, como quer você que o povo seja instruído num país, cuja riqueza se baseia na escravidão e com um sistema de governo que tira a sua vida justamente da ignorância das massas?... Por tal forma, nunca sairemos deste círculo vicioso! Não haverá república enquanto o povo for ignorante, ora, enquanto o governo for monárquico, conservará, por conveniência própria, a ignorância do povo; logo - nunca haverá república!
pag. 184

Fazia um grande silência nas ruas; ao longe ladrava tristemente um cão, e, de vez em quando, ouviam-se ecos de uma música distante. E Raimundo, ali, desconforto do seu quarto, sentia-se mais só do que nunca; sentia-se estrangeira na sua própria terra, desprezado e perseguido ao mesmo tempo. "E tudo, por quê?... pensava ele, porque sucedera sua mãe não ser branca!... Mas do que servira então ter-se instruído e educado com tanto esmero? do que serviria a sua conduta reta e a inteireza do seu caráter?... Para que se conservou imaculado?... para que o diabo tivera ele a pretensão de fazer de si um homem útil e sincero?..." E Raimundo revoltava-se. [...]
pag. 185

- Suaviter in modo, fortiter in re!... [Suave na maneira, mas firma na ação]
pag. 202

A varanda estava deserta. Maria Bárbara rezava no seu quarto, agradecendo a Deus e aos santos a suposta partida de Raimundo. Manuel tomou um cálice de conhaque ao aparador, e dirigiu-se depois para a cozinha.
pag. 203

Plus videas tuis oculis quam alienis! [Vê mais com os teus olhos do que com os alheios]
pag. 214

[Ana Rosa no confessionário sobre casar com Raimundo, e o padre:]
- E não se lembra que, com isso, ofende a Deus por vários modos?... Ofende, porque desobedece a seus pais; ofende, porque agasalha no seio uma paixão reprovada por toda a sociedade e principalmente por sua família; e ofende, porque, com semelhante união, condenará seus futuros filhos a um destino ignóbil e acabrunhado de misérias! Ana Rosa, esse Raimundo tem a alma tão negra como o sangue! além de mulato, é um homem mau, sem religião, sem temor de Deus! é um - pedreiro livre! - é um ateu! Desgraçada daquela que se unir a semelhante monstro!... O inferno aí está, que o provo! o inferno aí está carregado dessas infelizes, que não tiveram, coitadas! um bom amigo que as aconselhasse, como te estou eu aconselhando neste momento!... Vê bem! repara, minha afilhada, tens o abismo a teus pés! mede, ao menos, o precipício que ameaça!... A mim, como pastor e como padrinho, compete defender-te! Não cairás, porque eu não deixo!
pag. 215

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