domingo, 23 de julho de 2017

Trechos de Oração aos Moços (Rui Barbosa)


"Amigos e inimigos estão, amiúde, em posições trocadas. Uns querem mal, e fazem-nos bem. Outros nos almejam o bem, e nos trazem o mal."

"Que se feche, pois, alguns momentos o livro da ciência; e folheemos juntos o da experiência."

"A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte."

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualdade aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.

Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.

Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho.”

"Estudante sou. Nada mais. Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado. Nem isso mesmo sei se saberei bem. Mas, do que tenho logrado saber, o melhor devo às manhãs e madrugadas. Muitas lendas se têm inventado, por aí, sobre excessos da minha vida laboriosa. Deram, nos meus progressos intelectuais, larga parte ao uso em abuso do café e ao estímulo habitual dos pés mergulhados n’água fria. Contos de imaginadores. Refratário sou ao café. Nunca recorri a ele como a estimulante cerebral. Nem uma só vez na minha vida busquei num pedilúvio o espantalho do sono."

"Mas, senhores, os que madrugam no ler, convém madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas ideias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila."

"Uma vez, que Alcibíades discutia com Péricles, em palestra registrada por Xenofonte, acertou de se debater o que seja 'lei', e quando exista, ou não exista.
- Que vem a ser 'lei'?, indaga Alcibíades.
- A expressão da vontade do povo, respondeu Péricles.
- Mas que é o que determina esse povo? O bem, ou o mal?, replica-lhe o sobrinho.
- Certo que o bem, mancebo.
- Mas, sendo uma oligarquia quem mande, isto é, um diminuto número de homens, serão, ainda assim, respeitáveis 'as leis'?
- Sem dúvida.
- Mas, se a disposição vier de um tirano? Se ocorrer violência, ou ilegalidade? Se o poderoso coagir o fraco? Cumprirá, todavia, obedecer?
Péricles hesita; mas acaba admitindo:
- Creio que sim.
- Mas então, insiste Alcibíades, - o tirano, que constrange os cidadãos a lhe acatarem os caprichos, não será, esse sim, o inimigo 'das leis'?
- Sim; vejo agora que errei em chamar 'leis' às ordens de um tirano, costumado a mandar, sem persuadir.
- Mas, quando um diminuto número de cidadãos impõe seus arbítrios à multidão, daremos, ou não, a isso o nome de violência?
- Parece-me a mim, concede Péricles, cada vez mais vacilante, - que em caso tal, é de violência que se trata, não 'de lei'.
Admitindo isso, já Alcibíades triunfa.
-Logo, quando a multidão, governando, obrigar os ricos, sem consenso destes, não será, também, violência, e não 'lei'?
Péricles não acha que responder; e a própria razão não o acharia. Não é 'lei' a lei, senão quando assenta no consentimento da maioria, já que, exigido o de todos, 'desiderandum' irrelizável, não haveria meio jamais de se chegar a uma lei.

"Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de char sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazendo; por onde os condecora o povo com o título de “fazendeiros”. Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazendo, ao Governo, ou ao Estado."

“Os tiranos e bárbaros antigos tinham, por vezes, mais compreensão real da justiça que os civilizados e democratas de hoje. Haja vista a história, que nos conta um pregador do século XVII.
A todo o que faz a pessoa de "juiz", ou "ministro", manda Deus que não considere na parte a razão de príncipe poderoso, ou de pobre desvalido, senão só a razão do seu próximo... Bem praticou esta virtude Canuto, rei dos Vândalos, que, mandando justiçar uma quadrilha de salteadores, e pondo um deles embargos de que era parente d’el-Rei, respondeu: "Se provar ser nosso parente, razão é que lhe façam a força mais alta".

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Trechos de Metafísica de Aristóteles


“tua matéria, tua forma e tua causa motriz diferem das minhas, conquanto sua definição geral seja a mesma” 24

“...a relação entre ato e potência é semelhante à de um homem que está construindo para o homem que sabe construir, do homem desperto para o homem adormecido, daquele que vê para o que possui visão, mas tem os olhos fechados, daquilo que é moldado na matéria para a própria matéria, do produto acabado para a matéria-prima”. 25

É absurdo procurar ao mesmo tempo o conhecimento e a maneira de atingi-lo; e não é fácil conseguir sequer uma dessas coisas. 67-68

“...a incerteza em que nos encontramos efetivamente está a indicar a existência de um ‘nó’. O pensamento, quando perplexo, assemelha-se a um homem amarrado, pois nem um nem o outro pode avançar.”

“...quem ouviu todos os argumentos contrários, como partes numa ação judicial, está em melhores condições para julgar” 69

“...a causa motriz de uma casa é a arte do construtor, a causa final é a função que ela desempenha, a causa material são a terra e as pedras, e a causa formal é a sua definição”

“...a ciência da finalidade e do bem é da natureza da Sabedoria...”

“...só há conhecimento, mesmo das coisas que é possível demonstrar, quando lhes conhecemos a essência...” 72

“E, se não ao filósofo, a quem mais caberia investigar-lhes a verdade ou falsidade?” 73

“...alguns recebem o seu nome pelo fato de possuí-lo, outros porque o produzem, e outros ainda por motivos análogos”. 90

“a experiência fez a arte, e a inexperiência fez o acaso” Pólo

“...algumas coisas não podem existir sem outras com respeito à geração, como o todo sem as partes, e outras com respeito à dissolução, como as partes sem o todo. E o mesmo vale para todos os demais casos” 125

“Este homem, pois, terá morte violenta se sair; e sairá se sentir sede; e sentirá sede se outra coisa acontecer; e assim acabamos por chegar ao que é presente agora ou a alguma ocorrência passada. Por exemplo, o homem sairá se tiver sede; e terá sede se está comendo algo muito salgado; e isto está ou não acontecendo; logo, ele necessariamente morrerá ou não morrerá. (...) se saltarmos aos acontecimentos passados, esse encadeamento de causas também será válido, pois a passada condição em algo já está presente”. 145

“[...] uma mão animada; se não tem vida, não é parte do homem” 167

“tudo que se produz provém de algo e em algo se torna” 187

O ser se divide em: substância, qualidade, quantidade e também em potência e em ato. 190

 “a verdade é perceber e dizer o que se percebe (e dizer não é o mesmo que afirmar)” 205

“o homem é a medida de todas as coisas” Protágoras 209

“A privação é uma condição ou incapacidade determinada ou incorporada a um sujeito” 214

“...indispensável é que as sementes ajam sobre a terra e o sêmen sobre o sangue menstrual”

“...nada se move ao acaso, mas é preciso que sempre haja uma causa motriz...” 256

“O mundo é como uma família em que os homens livres são os que menos liberdade têm de agir segundo a sua fantasia, mas todas ou quase todas as suas funções já se acham determinadas, enquanto os escravos e os animais, cuja contribuição para o bem comum, cuja contribuição para o bem comum é pequena, vivem em geral ao acaso”. 265