segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O Ateneu - Raul Pompéia (trechos)


"Nenhum mestre é mau para o bom discípulo". pag.30

"Onde meter a máquina dos meus ideais naquele mundo de brutalidade, que me intimidava com os obscuros detalhes e as perspectivas informes, escapando à investigação da minha experiência?"
pag. 33

"Ninguém sabia dos sonhos e atribuía à excentricidade e o meu amor à solidão e ao sossego".
pag.51

Dr Cláudio sobre a arte em geral pag. 80-85

"O tédio é a grande enfermidade da escola, o tédio corruptor que tanto se pode gerar da monotonia do trabalho como da ociosidade." pag. 87

"As transações eram proibidas pelo código do Ateneu. Razão demais para interessar. Da letra da lei, incubados sob a pressão do veto, surgiram outros jogos, mais expressamente característicos, dados que espirravam como pipocas, naipes em leque, que se abriam orgulhosos dos belos trunfos, entremostrando a pança do rei, o sorriso galhardo do valete, a simbólica orelha da sota, a paisagem ridente do ás; roletas miúdas de cavalinhos de chumbo; uma aluvião de fichas em cartão, pululantes como os dados e coradas como os padrões do carteiro.
A principal moeda era o selo"...
pag. 88

"Súbito, no melhor das quadras, exatamente quando o poeta apostrava o dia sereno e o sol, comparando a alegria dos discípulos com o brilho dos prados, e a presença do Mestre com o astro supremo, mal dos improvisos prévios! desata-se das nuvens espessadas umas carga d'água diluvial, única, sobre o banquete, sobre o poeta, sobre a miseranda apóstrofe sem culpa.
Venâncio não se pertubou. Abriu um guarda-chuva para não ser inteiramente desmentido pelas goteiras e continuou, na guarita, a falar entusiasticamente ao sol, à limpidez do azul.
Não querendo desprestigiar o estimável subalterno, Aristarco fingia acreditar no improviso e, indiferente, deixava cair o aguaceiro. As abas do chapéu de palha murchavam-lhe ao redor da cabeça, o rodaque branco desengomava-se em pregas verticais gotejantes.
Para os rapazes a chuva foi novo sinal de desordem. Deixou-se o poeta com a sua inspiração arrebatadora de bom tempo; recomeçou a investida aos pratos.
A abóbada de folhagem que nos cobria, em vez de atenuar a violência das águas, concorria para fazer mais grossos os pingos. Pouco importava. A filosofia impermeável do diretor servia-nos também de capa. Que chovesse! Era o molho dos manjares que nos faltava. As frutas lavadas luziam como um verniz de frescura que o próprio outono não possui. O vinho estendia-se pela toalha encharcada numa generalização solene de púrpura. O banho oportuno do banquete vinha temperar a demasiada aridez das farinhas de recheio. 'Acabamos pela sopa, descobriu Nearco, o penetrante, por onde o vulgo principia!'". pag. 105

"Aristarco, reassumindo a dureza olímpica da seriedade habitual, apresentou-se e perguntou asperadamente se pretendíamos que a vida passasse a ser agora um piquenique perpétuo na desmoralização. Tacitamente negamos e a traquilidade normal entrou nos eixos". pag. 106

"Ilustrar o espírito é pouco; temperar o caráter é tudo"

"A educação não faz almas: exercita-as. E o exercício moral não vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as circunstâncias".

"O internato é útil; a existência agita-se como a peneira do garimpeiro: o que vale mais e o que vale menos, separam-se"
pag. 127

"Não era um ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco metálico, escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das esculturas, sem consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh, glória! mas feito estátua."

"O monumento prescinde do herói, não o conhece, demite-o por substituição, sopeia-o, anula-o".
pag. 137

"Há reminiscências sonoras que ficam perpétuas, como um eco do passado. Recorda-me, às vezes, o piano, ressurge-me aquela data.
Do fundo repouso saído de convalescente, serenidade extenuada em que nos deixa a febre, infantilizados no enfraquecimento como a recomeçar a vida, inermes contra a sensação por um requinte mórbido da sensibilidade - eu aspirava a música como a embriaguez dulcíssima de um perfume funesto; a música envolvia-me num contágio de vibração, como se houvesse nervos no ar. As notas distantes cresciam-me n'alma em ressonância enorme de cisterna; eu sofria, como das palpitações fortes do coração quando o sentimento exacerba-se - a sensualidade dissolvente dos sons."
pag. 138

O Ateneu - Raul Pompéia

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