terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Trechos do livro Radical Chique e o Terror dos RPs - Tom Wolfe


As Panteras do sexo feminino ... são tão esbeltas, tão graciosas, como dizem, de calças justas e toucados iorubas, quase turbantes, como se tivessem saído das páginas da Vogue, embora não haja dúvida que foi a Vogue quem as copiou. 11

Em todo caso, eles têm uma criadagem composta de três sul-americanos brancos, inclusive um cozinheiro chileno, além do chofer e camareiro inglês de Lenny, que também é branco, é claro. Você consegue perceber a perfeição do esquema, dados... os tempos que correm? 12

...os empregados não são uma mera conveniência, são uma absoluta necessidade psicológica [...]. Fizemos parecer que é uma questão de conveniência, quando na verdade é uma questão pura e fundamental de – ter empregados. Compreendeu? 13

Outra fonte de publicidade era a ajuda aos pobres. As novas damas da sociedade nova-iorquina, em qualquer época, sempre pagaram “aos pobres” o que lhes era devido, pela via da caridade, como uma forma de resgatar a nobreza inerente à noblesse oblige e legitimar a própria riqueza. 34

A citação mais memorável foi: “Ele é um homem magnífico, mas suponha que alguns panacas pobres de espírito levem a sério aquela história de queimar edifícios.” 49

O Radical Chique é radical somente no estilo; no cerne faz parte da Sociedade e de suas tradições. 77

“Não é fácil distinguir uma filosofia política coerente entre os Panteras Negras, mas é razoavelmente claro que eles estão defendendo a violência contra seus concidadãos, a queda de Israel, o apoio ao Al Fatah e outros objetivos igualmente perigosos e inconcebíveis. Sou decididamente contrário a todas essas ideias e as combaterei com todas as minhas forças.” Lenny 78

Havia um gênio na arte do confronto que transformou o mau-mau-ísmo naquilo que se poderia chamar de ciência experimental. 83

Quando todo mundo começou a usar penteados afro, foi duro para muitos homens maduros que estavam perdendo o cabelo. Mesmo assim deixavam-no crescer dos lados e acabavam parecendo aquele super-Pai Tomás da caixa de arroz Uncle Bem, ou o palhaço Bozo. 85

No final de 1968 havia oitenta e sete grupos diferentes começando a militar e a adotar o mau-mau. 88

Se conseguisse fazer o RP perder o controle dos músculos em torno da boca, se conseguisse fazer o medo aflorar em seu rosto, o pedido de emprego era aprovado. 103

A ideia era aterrorizar, mas sem tocar em ninguém. O termo mau-mau-izar em si expressava essa qualidade lúdica. Expressava o lado fingido da coisa. 103



*Mau mau: membro de uma sociedade terrorista revolucionária queniana que exigia a eliminação dos colonos europeus e a restauração do controle dos nativos africanos.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Trechos do livro Yin Yang de Christopher Markert


...você anseia por coisas que são muito significativas para a sua felicidade. Você tenta impressionar os outros porque desacredita secretamente de si mesmo. 17

Uma parte dos ensinamentos se refere a treinamentos corporais e é chamada de hataioga, o que significa algo como “união do Sol e da Lua”. O Sol simboliza o lado consciente e espiritual da natureza humana, enquanto a Lua representa o lado corporal inconsciente. 22

Os biólogos sabem que todos os cromossomos são constituídos de componentes masculinos e femininos, e que este fato também se dá em todos os seres vivos mais elevados, inclusive os humanos. Os homens podem ser considerados como organismos másculo-femininos orientados para fora, e as mulheres aparecem correspondentemente como organismos fêmeo-masculinos orientados para dentro. 27

Deparamo-nos com inúmeros “neuróticos de sucesso” em sociedades orientadas ao exterior (yang) como a nossa, ao passo que em sociedades orientadas ao interior (ying), como a da Índia, a maioria das pessoas podem ser descritas como “fracassados felizes”. 34

A mãe é para a criança o que o brilho do sol é para a planta. Crianças que não têm mãe sofrem geralmente da sensação de solidão e de insuficiência; não podem produzir o que delas se espera, pois falta-lhes o amor e o carinho do lar. 51

Um jardineiro descobriu que uma de suas árvores havia sido atingida por uma doença. As folhas tinham manchas de parasitas. Trataria as folhas com uma escova ou com um remédio contra insetos? Não, ele era suficientemente inteligente para enfrentar o problema pela raiz. Em vez de deixar-se levar por sintomas superficiais, ele regou a árvore com água do riacho, rica em minerais. Depois que as raízes absorveram a água, a árvore curou-se desde as suas bases e as manchas e parasitas desapareceram das folhagens. A moral da história é que as pessoas doentes e infelizes não podem ser ajudadas com métodos intelectuais superficiais. Em vez disso, precisam aprender a retomar o contato com o “eu interior”, com as origens da alma. Na base de toda a vida reside o ser, que se expressa como inteligência invisível, desconhecida e criativa. Este ser não pode ser descrito por palavras, ou analisado pelo intelecto, porém pode ser vivenciado pela meditação. 67

Apesar de ser sempre uma experiência agradável, a meditação nunca é encarada como uma meta em si. Medita-se para influenciar beneficamente todos os aspectos do cotidiano. [benefícios] 69

“O médico pode tratar de uma doença, porém só a natureza pode curar”  Hipócrates

...devemos ter os pés na terra antes de pretendermos alcançar algo nessa esfera mais elevada. Precisamos estar firmemente enraizados nas realidades terrenas, antes que os nossos esforços possam dar frutos sadios. 78

Elas não têm mais coragem de ser autênticas ou de confiar em seus próprios sentidos, elas já não raciocinam por si mesmas, nem contam as próprias experiências. Deixaram-se levar pela sociedade a desempenhar papéis forçados, adotar as convicções de outros e adaptar-se à opinião geral. Acostumaram-se às noções cômodas, porém falsas.  79

Drogas como álcool, maconha, haxixe, LSD e ópio têm uma coisa em comum: trazem à tona as características yin das pessoas. Os tensos as utilizam para relaxar e para superar as suas limitações. Outros tomam drogas para afastar a sensação de solidão e par sair de sua redoma espiritual. Algumas pessoas consideram as drogas úteis para encontrarem a si mesmas e para escaparem das obrigações sociais. 79

Outros pensadores enfatizaram que conhecemos apenas a impressão que temos das coisas, porém nunca as coisas em si. Havelock Ellis afirmou em The dance of life (A dança da vida), que o mundo que vemos é um sistema de impressões, um símbolo com ajuda do qual nos orientamos. A tarefa da ciência é tornar o símbolo tão útil quanto possível. Porém, em última instância, o nosso mundo permanece um símbolo que utilizamos por motivos práticos e que serve a uma outra meta. Todo raciocínio é apenas uma comparação... Cada um vive no próprio universo e constrói as suas próprias idéias, e também estas se transformam continuamente... 103

Encontram-se esculturas de deusas pré-históricas em todas as partes da Europa e da Ásia. A deusa principal na Suméria era conhecida como Nana, no Egito como Ísis, na Babilônia como Itar, na Índia tinha diversos nomes, assim com Devi, Kali, Shakti, etc., e na Cananéia bíblica era Astartéia. A maioria dos templos era administrados por sacerdotisas matrilineares sobreviveram até a Idade do Bronze e são mencionadas em livros como a Bíblia. 106

Os conflitos interiores entre forças yin e yang que os permeiam fazem-nos quase sempre sentir-se, não como pessoas humanas, e sim como senhores ou escravos. 131

Tudo aquilo que, durante o dia, se ignora ou reprime, no plano consciente, aparece em forma de símbolo durante o sono, enquanto o guardião (o consciente) dorme. 163

Aquele que deseja permanecer espiritualmente em forma, precisa também manter o corpo em forma, e vice-versa. Quando uma parte sofre, a outra também sofrerá. 165

É preciso que se saiba retroceder e cair antes de poder obter verdadeiro sucesso no ataque. 170

Uma condição de total e eterno equilíbrio não é possível, nem vale a pena tê-la como meta. O equilíbrio dinâmico contribui para a saúde espiritual e física e, em geral, é possível ser alcançado. 192

Um espírito equilibrado a qualidade passo a passo rumo a metas sensatas, cuja realização é possível e provável – e, de vez em quando, adapta o seu ideal à realidade. 209

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Maçã Agreste - Raimundo Carrero (trechos)


A comédia inútil, o riso martirizado

Naquela semana - nos dias que antecederam a conversa -, toda a carga de risos e gargalhadas tinha se apossado dele. Não lhe faltavam angústia e ansiedade, assim como não estavam ausentes alegria e prazer. A isto chamava: sentir a vida.

Quando voltou para casa, não podia estar mais inquieto, e, no entanto, mais satisfeito. 15

Não é pelos olhos que elas começam a morrer? Desse tipo de morte que é estar, irremediavelmente, morto, e não poder ganhar uma sepultura porque ainda vive? 18

Saí de casa, outro dia, ao anoitecer. Sem dizer nada a ninguém lamentava-me por não ter permanecido no ventre da minha mãe para não ser obrigada a assistir ao desespero do mundo, para não me ser imposta a visão de homens e mulheres que vivem os grandes tormentos, que formam a contorção da existência e que são incapazes de construir a estrada que nos leva à casa do sacrifício. 29-30

- Sua mãe parece uma velha gata grávida.
Jeremias insistiu:
- Ou uma vaca inquieta no curral. 36

Ela tinha certeza: na primeira vez em que a chamaram de Sofia estava quase sem dentes. Era apenas uma menina, no tempo em que, inexplicavelmente, os dentes começavam a amolecer, ficavam presos por uma leve película na gengiva, moviam0se ao toque dos dedos e ela passava, tempos inteiros, no fundo do quintal, entretida. Tinha medo, é capaz de morrer engasgada no sono, diziam,mas recusava-se chorando, a permitir que os arracassem, sofria com a possível dor. Não vai doer nada, repetiam. Pedia tempo e corria para o quintal onde, fatalmente ficava mexendo no dente. Achava mesmo que ele devia cair. Um frio no estômago. Por que o dente não ficava na gengiva? Permanecia sem comer, com receio. Às vezes, sem esforço, tinha-o na mão. Zangava-se com os próprios temores. 41

Nunca pensava antes, com tanta insistência, no próprio nome. Sentia-se apenas uma mulher, um ser humano, que ocupava um pequeno espaço no mundo, e caminhando, inexoravelmente, para o futuro, sempre para o futuro, ou para a velhice, e não tinha outra preocupação que não fosse viver. E viver, para ela, significava trabalhar, estudar e divertir-se, conhecer pessoas, passear, sem o mínimo desejo de construir um patrimônio. Agora, no entanto, inquietava-se. Procurava desvendar o mistério do seu nome, um título que ela mesmo não escolhera, e que cada vez que o pronunciava era como se outra pessoa estivesse no seu lugar. Estava para sempre condenada a viver assim, desencontrada, confundindo o que carregava no íntimo com o que se desenvolvia por fora, incapaz de compreender a existência, já que existir, para ela, era passar os dias, feito alguém que atravessa uma ponte. 42

...começou a refletir que a questão não era mesmo possuir um nome. O problema estava, talvez, na existência. 43

...as pessoas que passavem não riam apenas as suas vestes e o seu corpo, mas sobretudo o seu dilaceramento. 52

...nada era impossível para quem tinha desejos e determinações. 60

Embora narrase com convicção, Alvarenga não deixava de comer e de beber, às vezes limpando os dentes com as unhas, em algumas ocasiões parando para respirar e tossir. 61

Pobreza não me entristece,
riqueza não me assusta.
Só gosto do que é bom,
não quero saber quanto custa.
96

As pernas vacilavam mas a decisão era firme (ainda que o coração se rebelasse). 119

...não era qualquer homem que dava costas ao sol e ainda assim permanecia iluminado, os olhos cheios de ternura e valentia. Importava-lhe não desmerecer o caminho, sem cansar, sem permitir que as traças e as baratas lhe roessem as vestes, sem dividir o corpo e a alma, que agora eram só, inseparáveis, fogo cravado no coração. Abrasada e resplandecente. 204

Antes de fumar devo esquentar o café, que ela deixava pronto para não ser acordada cedo. Aproveitou a chama quase extinta, acendeu o fogo e, de costas para a cama, prefiro não vê-la, fere meus olhos e incomoda-me, esperou que a chaleira fervesse, e não posso repassar sempre essas coisas, cruzou os braços, sob pena de ficar preso num redemoinho eterno, atingido pelo frio, o cão grunhiu e latiu, despertando, saindo também da noite para o dia. 213

Está no maior michê chapinha faça força faça frequente seu medo homem. 219

Dizia que a vítima é que é o monstro, não se conformando com a dor e com a morte, expelindo ódio ao invés de sangue, insultando o homicida, escarrando os próprios dentes, gritando, prendendo nos pulmões a última respiração e nela guardando paixão, raiva, horror. Toda destruição é bendita, todo ódio sagrado e todo tormento divino. Não aceitaria mais ser empurrado para as margens, ser espremido nas paredes, ser atirado ao caos. Se alguma coisa ainda lhe restava e se não podia mais suportar o peso do próprio corpo, devia passar de vítima a homicida, transgredindo.

Terão toda a noite para roubar e matar, durante o dia rezaremos e louvaremos a Deus e a pátria. Sou o que sou e sendo o que sou não retornarei mais à poeira antiga. 222

Havia, inclusive, a palavra feliz inteiramente abominável naquelas circunstâncias. Os fiéis deviam sentir-se felizes, mas felizes com desespero. 230

Não estou preocupado em ser santo, não estou preocupado em ser demônio, não estou preocupado em ser profeta. Quero ser sincero. Sincero mesmo quando minto, porque a mentira exige uma grande dose de sinceridade. Não se é mentiroso a si mesmo. Quem primeiro deve ser convencido da mentira é o mentiroso. E isso não acontece comigo. É impiedoso não ter sinceridade. É grotesco. 233

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Trilha sonora do livro Medo e Delírio em LA, de Hunter S. Thompson

Mistura de ficção e realidade, não importa muito se essas músicas fizeram parte ou não da jornada maluca de Hunter S. Thompson, o que importa é que vale a pena conhecer essas 17 músicas:

Love in Vain - Robert Johnson


White Rabbit - Jefferson Airplane


Trechos do livro Medo e Delírio em Las Vegas

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Trechos de Medo e Delírio em LA - Hunter S. Thompson

ilustração de Ralph Steadman

“MATE O CORPO E A CABEÇA MORRERÁ”
p30

Senti que havia chegado o momento de fazer uma Reavaliação Dolorosa de toda aquela situação. Sem dúvida a corrida estava acontecendo. Eu havia testemunhado a largada; disso tinha certeza. Mas e agora, o que eu podia fazer? Alugar um helicóptero? Entrar de novo naquela caminhonete? Zanzar pelo maldito deserto assistindo àqueles idiotas passando a mil pelos pontos de controle, um a cada treze minutos...?
p46

Mas com essa outra viagem ninguém consegue lidar - um maluco pode entrar no Circus-Circus a qualquer hora, pagar 1 dólar e 98 e surgir de repente nos céus do centro de Las Vegas, doze vezes maior que Deus, urrando qualquer coisa que lhe vier à cabeça. Não, esta não é uma boa cidade para usar drogas psicodélicas. A própria realidade já é distorcida demais.
p57

Mandaram o infeliz para cá com uma tarefa perfeitamente normal - tirar algumas fotos de motocicletas e buggies correndo pelo deserto - e agora, sem saber, ele estava metido até o pescoço num mundo muito além de sua imaginação.
p65

Jesus do céu! Será que tem algum padre nesta taberna? Quero me confessar! Sou um pecador, caralho! Pecados venais, mortais, carnais, maiores e menores - você decide, Senhor... sou culpado. p.98

Se você não sabe, venha aprender...
Se você sabe, venha ensinar
p158 [título do capítulo]

Para uma cabeça cheia de ácido, a visão daqueles dois seres humanos fantasticamente obesos mandando ver em público, cercados por mil policiais atentos a um filme sobre os “perigos da maconha”, não seria emocionalmente aceitável. O cérebro rejeitaria aquilo: a medula tentaria se isolar dos sinais que receberia dos lobos frontais... e enquanto isso o cerebelo estaria desesperado, tentando interpretar aquela cena de outro modo antes de desistir e passar a tarefa para a medula - o que implicaria o risco de tomar providências físicas para acabar com aquilo.
p158-9

...Por que se dar o trabalho de ler jornais, se isso é tudo que têm a oferecer? Agnew tinha razão. A imprensa é uma gangue de covardes impiedosos. Jornalismo não é uma profissão, não é nem mesmo um ofício. É uma saída barata para vagabundos e desajustados - uma porta falsa que leva à parte dos fundos da vida, um buraquinho imundo e cheio de mijo, fechado com tábuas pelo inspetor de segurança, mas fundo o bastante para comportar um bêbado deitado que fica olhando para a calçada se masturbando como um chimpanzé numa jaula de zoológico.
p216

trilha sonora deste livro
consegui esse livro em um projeto de troca

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Por que homens deveriam manter um diário? - por Ollie Aplin no The Guardian

A história está cheia de homens que mantiveram diários, de Ernest Hemingway e Bruce Lee para Winston Churchill e Thomas Jefferson. Eles são diferentes entre si, mas esses homens tinham uma coisa em comum: encontraram força e conforto ao escrever seus pensamentos.

Bruce Lee escrevendo em seu caderno / Google

O professor James Pennebaker, especialista em psicologia social da Universidade do Texas, passou muitos anos a observar como escrever nossos sentimentos pode aumentar o funcionamento imunológico. Em Opening Up byWriting It Down, que eu tenho co-autoria com Joshua Smyth, Pennebaker diz que a escrita expressiva melhora a saúde e alivia a dor emocional. Ele inclui descobertas de centenas de estudos que mostram os benefícios para a saúde de expressar emoções, particularmente após um trauma.

Pennebaker explica: "Ao escrever, você coloca alguma estrutura e organização para esses sentimentos ansiosos. Isso ajuda você a passar por eles". Pennebaker também descobriu que a supressão de pensamentos negativos, ao invés de falar sobre eles, pode comprometer o funcionamento imune.

É por isso que o efeito da escrita de diários pode ser tão poderoso para os homens. O maior assassino dos homens entre 20 e 49 é o suicídio. Parte do problema é que quando eles ficam deprimidos, escondem seus sentimentos e preferem não procurar ajuda. Enquanto 67% das mulheres dirão a alguém que se sentem deprimidas, apenas 55% dos homens confiarão em alguém. Isso está mudando lentamente e os homens estão falando - do Rio Ferdinand ao Professor Green e ao Príncipe Harry.
Anotação pessoal de Bruce Lee / Fonte

Escrever como você está se sentindo tem imensos benefícios para a saúde mental e física - e os homens precisam mais disso, diz Ollie Aplin

Parte do problema é que, quando os homens estão deprimidos, eles tendem a ocultar seus sentimentos.

Embora este trabalho seja extremamente importante, ainda existem muitas outras pessoas que podem não se sentir bem para conversar e preferem manter as coisas privadas. É aí que o poder de manter um diário pode ser tão útil. É o próximo passo, sem se sentir muito exposto, onde os homens podem comunicar em privado os altos, baixos e todas as suas emoções no meio. Os cadernos são seguros para desabafar, sem medo de serem julgados.

Fui criado para não compartilhar o que estava acontecendo em casa e, portanto, como eu sentia. Não consegui expressar as coisas que estava passando com amigos e familiares. Eu estava tão desconectado das minhas emoções que eu não sabia do que estava pensando ou sentindo. Ficando sem emoção e resistindo, sentiu-se acomodado.
Desenhos feitos por Bruce Lee

Tudo mudou quando minha mãe tirou sua própria vida e, dois anos depois, sofri um colapso. Eu tinha 19 anos e ainda não estava pronto para conversar, então meu conselheiro recomendou manter o diário. Nove anos depois, meu diário mudou minha vida. Foi o catalisador que eu precisava e agora sou capaz de compartilhar, quando quiser, qual é a minha mente e como estou me sentindo.
Os efeitos foram benéficos nos últimos dois anos. Tenho pesquisado e projetado um tipo único de revista. MindJournal é um projeto guiado; um caderno preenchido com perguntas e tarefas que incentivam os homens a registrar seus pensamentos mais íntimos. Cada cópia contém um "manual de instruções" para inspirar os possíveis escritores a se expressar livremente.

Quando se trata de minha própria escrita, não há um conjunto específico de regras ou expectativas. Eu vejo a medicação para minha mente. Quando tenho dor de cabeça, sinto-me ansioso ou estressado, anoto algumas frases. Não tenho horários fixos - pode ser à noite ou à primeira hora da manhã.


Eu nem sempre quero falar sobre meus sentimentos; eu ainda gosto de manter as coisas privadas. E está tudo bem, porque eu tenho meu diário.


*   *   *


Extraído do texto escrito por Ollie Aplin no The Guardian (texto original em inglês)

Observações: 

O texto foi traduzido pelo Google Tradutor, mas tive de alterar algumas partes para fazer mais sentido e dar mais fluidez à leitura.

Não sei se o livro foi traduzido e publicado para o português.

Em relação ao texto ser dirigido para os homens; na minha opinião, por mais que as mulheres tenham uma facilidade maior em falar sobre os seus sentimentos, acredito que elas também deveriam conhecer o benefício de se manter um diário. Não acredito que no Brasil as pessoas tenham esse costume de escrever, seja homens ou mulheres. Por isso que gostaria de compartilhar esse texto e dirigir para todas as pessoas, seja homem, mulher, jovens, idosos e etc.

Outra consideração que devo fazer é em relação ao idioma. No inglês, existem duas palavras que se distinguem, e que no português só temos uma (que eu saiba). A palavra diary significa escrever sobre o seu dia, o que você fez e etc, como em um relatório. Mas journal tem um sentido mais amplo, no sentido que é escrito neste texto. Ou seja, escrever sobre seus sentimentos, seja em forma de desenhos, pinturas, poemas ou mesmo na escrita. Pode ser também através de colagens de revistas e etc. Não interessa a forma, mas o que aquilo significa para a pessoa. Em nosso vocabulário, a palavra diário pode servir para ambas as coisas.

Todas as fotos estão relacionadas a Bruce Lee e foram encontradas numa pesquisa do Google e não estão no post original do The Guardian, mas o autor cita Bruce Lee como um dos homens que mantinham um diário.

Recomendo todos os links aqui neste post (estão em amarelo). É só clicar que vai abrir em outra página.


Uma das páginas do diário de Bruce Lee / Fonte

terça-feira, 17 de outubro de 2017

Trechos do livro Quando Nietzsche Chorou de Irvin D. Yalom

Quando Nietzsche Chorou
Irvin D. Yalom



Achar tudo profundo, eis um traço inconveniente. Faz com que forcemos a vista o tempo todo e, no final, encontra-se mais do que se poderia desejar. P. 111

Não sei porque viver! Não sei como viver! P. 177

Houve um momento hoje em que experimentei uma estranha ausência. Senti-me quase como se tivesse em transe. Talvez eu seja, afinal, suscetível ao mesmerismo. P.226

Às vezes, é pior para um filósofo ser compreendido do que ser mal compreendido. Ele tenta me compreender bem demais; ele me adula na tentativa de obter orientações específicas. Quer descobrir meu rumo e usá-lo também como seu rumo. Ele não compreende que existe um rumo meu e um rumo dele, mas que não existe “o” rumo. Ele não pede orientações diretamente, mas me adula e finge que sua adulação é outra coisa: ele tenta me persuadir de que minha revelação é essencial ao processo de nosso trabalho, de que o ajudará a falar, nos tornará mais “humanos” juntos, como se chafurdar na lama juntos significasse ser humano! Tento ensinar-lhe que os amantes da verdade não temem águas tempestuosas ou turvas. O que tememos são águas rasas! P. 226

Chegar aos 40 abalou a ideia de que tudo me era possível. Subitamente, entendi o fato mais óbvio da vida: que o tempo é irreversível, que minha vida estava se consumindo. É claro que eu já sabia disso antes, mas sabe-lo aos 40 foi uma espécie diferente de saber. Agora, sei que o “rapaz infinitamente promissor” foi meramente uma ordem de marchar, que “promissor” é uma ilusão, que “infinitamente” não tem sentido e que estou em fileira cerrada com todos os outros homens marchando em direção à morte. P. 235

Viva enquanto viver! A morte perde seu terror quando se morre depois de consumida a própria vida! Caso não se viva no tempo, certo, então nunca se conseguirá morrer no momento certo. P. 301

Primeiro desejar aquilo que é necessário e, depois, amar aquilo que é desejado. P. 343

Cada um de nós deve percorrer seu próprio caminho. P. 366

Amor fati: escolhe teu destino, ama teu destino. P. 366

Tive de procurar alguns livros para vender e assim ajudar uma senhora. Entre eles, estava este livro que li anos atrás. Encontrei duas folhas soltas com essas partes do livro e comecei a reencontrá-las no livro para colocar a página que tinha a frase/trecho. Os trechos e frases a seguir, não consegui encontrar no livro - mas provavelmente está lá (porque estava entre as minhas anotações nas duas folhas):

Isaac estava fazendo 60 anos e descreveu um sonho que tivera na noite anterior. Ele estava percorrendo uma longa e escura estrada e tinha sessenta moedas de ouro no bolso. Estava certo daquela cifra exata. Tentava segurar as moedas, mas elas caíam por um buraco no bolso e estava escuro demais para achá-las.

O sonho deve ser um desejo de perder anos e se tornar mais jovem.

Pode ser que o sonho tenha expressado um temor: o temor de que seus anos estejam acabando e de que logo não restará mais nenhum!

Ele estava em uma longa e escura estrada tentando recuperar algo que perdera.

Talvez os sonhos possam exprimir quer desejos, quer temores. Ou talvez ambos.

Acredito agora que os medos não brotam das trevas; pelo contrário, eles são como estrelas: estão sempre ali, mas obscurecidos pelo clarão da luz do dia.

Os pensamentos são sombras de nossos sentimentos: sempre mais escuros, vazios e simples.

Ninguém mais morre devido a verdades fatais hoje em dia; existem antídotos em demasia.

De que serve um livro que não nos transporte além de todos os livros.

Qual é o sinal da libertação? Não mais se envergonhar diante de si próprio!

Morrer é duro. Sempre senti que a recompensa final dos mortos é não morrer nunca mais!


Para mim a palavra “dever” é pesada e opressiva. Reduzi mais deveres a apenas um: perpetuar minha liberdade. O casamento e seu séquito de possessão e ciúme escravizam o espírito. Eles jamais me dominarão. Espero, que chegue o tempo em que nem o homem nem a mulher sejam tiranizados pelas fraquezas mútuas.

terça-feira, 10 de outubro de 2017

Trechos do livro O Livro de Corintha de Fernando Monteiro


“moça lendo numa sala”, poderia ser o título da gravura que é a janela – a única sem cortinas – na fachada cinzenta do prédio manchado de umidade em torno do retângulo onde a jovem se mantém absorta no livro.
16

Comida, estômago, frio, sexo – e a perda de cabelo da juventude. O aroma no nosso encalço: loção contra a queda de cabelo de quem cortou os pulsos, todos chegaram tarde, ninguém pôde salvar o antigo inquilino que não morreu porque perdia o cabelo, mas porque o dia e a noite haviam derrotado sua pasta de tentativas malogradas no voltar para casa, para a mulher, para os filhos e para longe do centro onde agora o apartamento que ele nunca pagava foi alugado à moça que lê, na falsa noite afastada pela lâmpada, a jovem de pijama com as pernas neste momento cruzadas (o vértice do V do ventre apertado na peça de baixo do pijama que se marca na pele macia da parte de dentro da coxa), não uma gravura, não um quadro cinza de Hopper, um interior velado de Veermer, um quarto torturado de Goya, porém uma pessoa real, uma mulher viva a respirar no ritmo do planeta em sua rota de mínimas alterações ao longo de séculos empoeirados. Corintha vê que também há poeira no tampo arranhado da mesa. 
17

Retomaram o trabalho, o homem que dita, metódico, monocórdio mesmo, e a moça que bate, com dedos com um pouco mais de convicção sobre as teclas com as letras gravadas, gafanhotos agora acordados pelo seu toque de unha e carne, toc, toc-toc-toc, toc-toc-toc – irregular e irritante para vizinhos e, talvez. Para algum mendigo que queira dormir na calçada, após pedir permissão para acatar as mangas caídas no quintal. 
33

Há tantos pequenos mistérios em torno de uma vida sem mistério algum, numa janela aberta para a curiosidade, quando ela se abre, é claro, sem cortinas para a visão de rotinas suaves ou agitadas, tensas ou calmas, das mulheres sozinhas e das casadas, que se tocam e não se toca, leem livros e leem revistas coloridas às vezes trazidas de consultórios, dobradas nas bolsas. 
40

“As cortinas que comprou para o apartamento da amiga, ela não trouxe porque achou que arrastá-las seria deselegante. E se não é mesquinha, ela é, sem dúvida, econômica – e nada paranoica com a intimidade desvelada. ‘Cortinas podem esperar’, talvez formule, para si, numa reflexão despojada e despreocupada com a ausência do pano que velaria a ocasional transparência dos pijamas curtos e dos decotes confortáveis (uma moça nunca se livra de olhares, certo? Ela é focada pelos olhares masculinos, e examinada, avaliada, analisada às vezes em segundos, quando é bonita e passa no meio de homens desocupados que fixam a atenção nas pernas, na bunda, nos seios adivinhados e no seu rosto que se mantém impassível ou que endurece um pouco, quem sabe, na falsa expressão ausente de quem espera não ser perceptível, num cerrar de maxilares ou num mais tenso “olhar para frente” o ponto para além dos pesados olhares “latinos” - conforme localizam as revistas para mulheres talvez feitas por homens que não se imaginam na condição de fêmeas estudadas, reavaliadas, eles, queiram ou não queiram, fazendo revistas para machos que olham moças de alto a baixo etc). 
46-47

“Você está obviamente mais cansada do que a borboleta humana que o louva-a Deus traz para dentro da teia de enganos de quem se perde pelos olhos.”

Ele disse isso mesmo – ou ela imaginou? Foi um pedaço do livro ditado que ficou errando na sua cabeça, ou foi, de fato, dirigido a Corintha, uma frase torneada como são as frases mais coloquiais de Methódio Guerreiro? 
48

...os cegos envelhecem mais lentamente, uma vez que, pelo menos, não estão cercados da própria imagem nos espelhos, não podem acompanhar o trabalho dos anos no rosto, no corpo que só tateiam e sentem por dentro. A velhice é, para ele, também uma dimensão obtida principalmente do “externo” que inclui os reflexos, as fotografias, as estranhezas de ver a si próprio como o outro nos vê (estava brincando? Não, não estava brincando; sua expressão era séria e melancólica, na face parada). 
65

...minha mãe dizia que eu era o único filho médium que ela tivera, numa família de católicos (ela morreu convertida à religião dos espíritos, com aquela cara de bebum de Allan Kardec olhando das capas de livros de distribuição gratuita nos Centros apolíticos, fios, juntando gente cada vez mais fraca pela crença da purgação de crimes através das vidas sucessivas que levavam um Lênin a reencarnar como Eva Perón, para de novo viver o destino de múmia insepulta). 
76

Ela gostava de escrever com a numeração romana das partes divididas. Dizia que havia lido livros assim, toda a vida, e que isso dava um agradável “ar seguro, de mostrador de relógio antigo” aos capítulos sucessivos, com começo, meio e fim, nessa ordem, faz favor. 
83

...um livro que é como todos os livros: uma ilha de solidão suspensa da armadilha de solidão da vida.
83

(...) Um livro é um objeto diferente dos demais: é só papel, porém só de plátanos muito mais tarde transformadas nas florestas nas florestas abstratas do livro de papel que ultrapassa os bosques da tarde, da noite mergulhada num livro pleno de sol, na biblioteca fechada de Corintha:
Preciso organizar anotações que estão metidas em todos os livros da minha pequena biblioteca particular, (...)
84

Esta noite, Corintha leu durante duas longas horas. Talvez seja daquelas que se sentem obrigadas a terminar um livro, a ir “até o fim”, simplesmente porque “começaram”. 
85

...e ele também comenta, agora, sobre coisas inesperadas, fala das rosas do jardim da frente e lhe presenteou com alguns frutos da estação, para que ela os levasse para casa (“são tantos que alguns irão apodrecer, ficarão passados, estragados”). 
96-97


...o apartamento está fechado, vazio de novo, “PARA ALUGAR” mais uma vez, nem bem acabara de chegar anova inquilina que partiu, como um fantasma, levando móveis, seus quadros, seus tapetes e seus livros esvaziados da mágica da ponte de palavras num vão de pombos pousados sobre a caixa de cimento do ar-condicionado, tampada com papelão (vi quando fazia esse improviso, com tesoura e fita adesiva nas mãos). Agora, o apartamento é uma janela fechada, um “não” de poeira e vidro corrido para baixo, uma leitura interrompida de atos, gestos, decisões mudas sobre pequenos assuntos que escapam do observador afastado e próximo, que conhece os ritmos, as rotinas desimportantes da casa de uma desconhecida que faz falta, ou que voou como os pássaros, sumiu do quadrado do prédio vizinho agora deserto do que me interessava nele, não a parede, nem uma janela iluminada, qualquer janela, mas aquela pela qual vai se formando a onda de ternura curiosa, (...). 
116


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

trechos do livro Vi uma foto de Anna Akhmátova de Fernando Monteiro



Vi uma foto de Anna Akhmátova,
numa oferta de segunda mão
em livraria de terceira
fechando as portas também baratas
em liquidação de quarta despedida
dos leitores de páginas impressas
à tinta das antigas tipografias
condenadas aos museus,
setor dos tipos móveis de Gutemberg
que não mais importa.




Isso faz muito tempo.
Isso faz algum tempo.
Isso faz pouco tempo.
Que tempo isso faz?

Sei que eu via a linha do mar de chumbo descansando do esforço da manhã.

Os guarda-sóis permaneciam na distância, a projeção de sombra redonda
dos panos mudando da aeria seca para a areia molhada onde restavam
pegadas de banhistas despreocupados, já retirados para seus bangalôs
no limite das árvores protegidas pela cerca branca das praias particulares.



Você pensa, então, que não está só - mas está.
Pode estender a mão e tocar naquele ombro da outra noite,
há muito tempo,
há tempo nenhum - há quanto tempo?



Esta mulher está só
sumindo entre as samambaias
com o mesmo riso da juventude
a escrever poemas.



A Natureza não sabe quando peca,
nem quando destrói.
Ela é nosso segredo,
e está do lado da cegueira,
da inocência das leoas sem passado
e sem futuro (uma intensidade branca
num eterno presente).
(...)
A Natureza é sem justiça e sem perdão,
acende-se nos vulcões e nos corações
dos cartões de Natal atravessados
de uma seta desenhada à caneta.
E ela está prenha dos próprios filhotes
de há três estações
brincando na relva (o teu temor).



Ela o desafiou antes de mim,
ela me condenou sem condenar
e me abençoou sem abençoar (...)



Estávamos tão loucos - em Paris,
novamente - que discutíamos por qualquer coisa
ao alcance (ou não) da discórdia:
a cor das paredes do hotel de Pera,
o lado de entrada na massa da Pirâmide,
para que serviria uma construção tão monstruosa
(“está claro que nunca foi apenas uma tumba”),
alguma moça que me convidara para o chá,
uma música pedida por mim (“para quem?”).
Para você.
“Para mim?”
Pois eu não me lembro de gostar dessas harmonias de gosto vulgar”...

Porque em Paris ela se fazia mais do que ciumenta.
E se tornava irascível, nervosa e com medo de ficar
muito velha, se repente.
Temia mudar como as flores, de um dia para o outro.




(...)
em data guardada entre as garras do tempo
abrindo frestas quando uma mulher
solitariamente se ressente
do próprio reflexo.



Trechos do livro O Livro de Corintha de Fernando Monteiro

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Trechos do livro Aos Olhos da Multidão ou Fama e Anonimato, de Gay Talese

capa horrível da primeira edição que foi publicado no Brasil

- Na luta com Liston, os cronistas esportivos notaram e disseram que eu parecia estar com medo. Mas não era isso. Não posso olhar nenhum lutador de frente porque... bem, porque vamos lutar, o que não é uma coisa simpática, e porque... bem, uma vez olhei de frente para um lutador. Foi há muito tempo. Devia ser amador, naquele tempo. E quando o fitei, vi que tinha uma fisionomia tão simpática... e então ele olhou para mim e sorriu... e eu correspondi ao sorriso! Foi estranho, muito estranho. Quando um sujeitos olha para outro e sorri assim, acho que não devem lutar. Não me recordo do que aconteceu naquela luta e nem me lembro do nome do sujeito. Só que desde então nunca mais olhei de frente outro lutador. [sobre Patterson] p.59

"Escolho não ser um homem comum... é meu direito ser fora do comum, se puder... Espero a oportunidade, não a segurança... Quero assumir o risco calculado, sonhar e construir, falhar e vencer... recuso trocar incentivo por uma dádiva... prefiro os desafios da vida à existência, o êxtase da realização à calma viciada da utopia...". [sobre Peter O'Toole] p.121

- Em tempos de injustiça, o lugar do homem honesto é a prisão. - Harold Humes [sobre Paris Review] p.152

"O dia inteiro, enquanto seus colegas correm de um lado para outro, em busca do momento presente, Whitman fica tranquilamente sentado à sua mesa, tomando chá, mergulhado no seu estranho mundo de semimortos, semivivos, naquele recinto imenso chamado redação". [sobre Alden Whitman] p.199

Texto completo À Procura de Hemingway (sobre a Paris Review)

"Ernest Hemingway adorou ler as notícias dos jornais referentes a sua morte num desastre de avião na África. Mandou colar os recortes num álbum e alegava iniciar todos os dias com um "ritual matutino de champanha gelado e duas páginas de obituário". Elmer Davis foi duas vezes erroneamente apontado como vítima de catástrofes e embora confessasse que "sair vivo depois de ser dado como morto é um indizível imposição aos amigos", negou o boato e foi "em geral mais acreditado do que é o caso quando se têm que contradizer algo dito a seu respeito nos jornais".
Alguns jornalistas, não confiando talvez nos colegas, escreveram seus próprios obituários antecipados e discretamente os introduziram no necrotério, à espera do momento propício. [no texto sobre Alden Whitman] p.201

Quando Whitman foi levado para o Knickerbocker Hospital em Nova York, um repórter foi designado para "atualizar a sua biografia". Whitman, depois que se recuperou, nunca viu seu obituário antecipado, nem espera vê-lo, mas imagina que tenha uns sete ou oito parágrafos de extensão, devendo começar mais ou menos assim:

"Alden Whitman, membro da equipe do New York Times, que escreveu os obituários de várias personalidades mundiais, morreu subitamente ontem à noite em sua residência na Rua 116 Oeste, de ataque cardíaco. Estava co cinquenta e um anos de idade..."

Será muito concreto e fácil de verificar e registrará que nasceu a 27 de outubro de 1913 em Nova Scotia, sendo levado para Bridgeport pelos pais dois anos mais tarde; que se casou duas vezes, tendo dois filhos do primeiro casamento, foi membro ativo do Sindicato dos Jornalistas de Nova York. Em 1956, entre outros colegas, foi integado pelo Senador James O. Eastland sobre suas atividades esquerdistas. O necrológio terminará talvez com uma relação das escolas que frequentou, mas não mencionará que durante os anos elementares saltou dois anos (para alegria da mão, professora; o feliz acontecido colocou-a em ótima posição junto à diretora da escola); dará uma relação dos locais onde esteve empregado, mas não dirá que em 1935 quebraram-lhe todos os dentes, nem que em 1937 quase morreu afogado quando nadava (experiência que achou sumamente agradável), nem que em 1940 esteve a ponto de ser esmagado por um parapeito que ruiu; que em 1949 perdeu o controle do automóvel e derrapou até à beirada de um abismo, numa montanha do COlorado; nem que em 1965, após sobreviver a uma trombose das coronárias, repetiu o que vinha dizendo quase a vida inteira: Deus não existe, não temo a morte porque não há Deus, não haverá Dia do Juízo". [sobre Alden Whitman] p.203

... e permanecer por breve tempo...
depois partir para outra cidade, outra ponte...
ligando tudo, menos suas vidas. [parte 2, sobre a ponte] p.307

- Não lamento nada do que fiz, Jay. Só lamento o que não fiz. [parte 3, sobre Nova Iorque] p.391

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

À Procura de Hemingway - Gay Talese

O texto tem cerca de 12 páginas no Word. Quem tiver interessado(a) em receber o arquivo em PDF, mande email para paty.lavir@gmail.com com o assunto "PDF Gay Talese". Ou leia na íntegra aqui:


Lembro-me muito bem da minha primeira impressão de Hemingway, naquela tarde. Era um rapaz de vinte e três anos, extraordinariamente bem apessoado. Foi pouco depois da época em que todo mundo tinha vinte e seis anos. Houve o período dos vinte e seis. Nos dois ou três anos subsequentes, todos os rapazes tinham vinte e seis anos, a idade certa, aparentemente, para aquele tempo e lugar.
Gertrude Stein

Página do manuscrito Goodbye Columbus de Philip Roth,
publicado no número 20 da Paris Review
(Autumn-Winter, 1958-1959).

No início da década de cinquenta, uma nova geração de jovens expatriados americanos completou em Paris vinte e seis anos. Mas já não eram os Rapazes Tristes, nem os Perdidos. Eram os espirituosos e irreverentes filhos de uma nação vencedora e, embora a maioria se originasse de pais abastados e se tivesse diplomado em Harvard ou Yale, pareciam ter grande prazer em fingir-se de pobres, fugir aos credores, talvez por ser uma espécie de desafio, porque isso os distinguia dos turistas americanos a quem desprezavam, e também por ser um meio de caçoar dos franceses, que os desprezavam. Contudo, viviam em alegre miséria na Rive Gauche durante dois ou três anos, entre prostitutas, músicos de jazz e poetas pederastas, envolvendo-se com gente trágica e doida, inclusive um violento pintor espanhol que certo dia abriu uma veia da perna, terminando seu retrato derradeiro com o próprio sangue.

Em julho desciam a Pamplona para correr dos touros e ao regressar jogavam tênis com Irwin Shaw em Saint-Cloud, numa quadra magnífica, dominando Paris. E ao atirarem a bola para servir, viam diante dos olhos a cidade inteira: a Torre Eiffel, o Sacré-Coeur, a Ópera, e ao longe as torres de Notre Dame. Irwin Shaw achava-os divertidos, chamando-os “Rapazes Altos”.

O mais alto de odos, 1,90m, era George Ames Plimpton, rápido e gracioso jogador de tênis, de pernas compridas e magras, cabeça pequena, brilhantes olhos azuis, nariz delicado, de ponta fina. Viera a Paris em 1952 com a idade de vinte e seis anos porque vários dos outros americanos altos e jovens – alguns eram baixos e selvagens – estavam publicando uma revista literária que receberia o nome de Paris Review, sob protestos de um dos membros da equipe, um poeta que queria batizá-la de Druid’s Home Companion e que ela fosse impressa em casca de bétula, George Plimpton foi designado para editor-chefe e breve era visto caminhando pelas ruas de Paris, uma longa écharpe de lã no pescoço, às vezes uma capa negra aos ombros, lembrando a famosa litogravura de Tolouse Lautrec por Aristide Bruant, o brilhanteliterato do século XIX.

Embora grande parte da redação da Paris Review fosse feita nos cafés de rua, enquanto os editores aguardavam a sua vez na máquina de jogo automático, a revista obteve muito sucesso porque os rapazes tinham talento, dinheiro e gosto e evitavam usar vocábulos típicos de revistinhas, como “zeitgeist” e “dicotômico”, e não publicavam críticas herméticas sobre Melville e Kafka, preferindo poesia e ficção de jovens escritores talentosos e ainda pouco conhecidos. Iniciaram também uma excelente série de entrevistas com autores famosos – que os convidavam a almoçar, apresentavam-nos a atrizes, dramaturgos e produtores e depois todos mundo convidava todo mundo para festas, e as festas eram infindáveis. Não terminaram até hoje, embora dez anos se tenham passado, Paris não seja mais cenário e os Rapazes Altos estejam com trinta e seis anos.

Vivem agora em nova York e a maioria das festas acontece no grande apartamento de solteiro de George Plimpton, na Rua Setenta e Dois, dando para o East River, e que é também o quartel-general do que Elaine Dundy chama de “Grupo Literário de Qualidade”, ou o que Candida Donadio, a agente, classifica de a “Turma da Paris Review”. O apartamento de Plimpton é hoje o mais movimentado salão literário de Nova York – o último local onde, permanecendo na mesma sala em qualquer noite da semana, é possível encontrar James Jones, William Styron, Irwin Shaw, algumas bonecas para decorar o ambiente, Norman Mailer, Philip Roth, Lillian Hellmann, um tocador de bongo, Harold L. Humes, Jack Gelber, Sadruddin Aga Khan, Terry Southern, Blair Fuller, o elenco de Beyond the Fringe, Tom Keogh, William Pène du Bois, Bee Whistler Dabney (descendente da mãe de Whistler), Robert Silvers e um zangado veterano da invasão da Baía dos Porcos, uma coelhinha aposentada do Playboy Club, John P.C. Train, Joe Fox, John Phillips Marquand, a secretária de Robert W. Dowling, Peter Duchin, Gene Andrewski, Jean vanden Heuvel, o antigo treinador de boxe de Ernest Hemingway, Frederick Seidel, Thomas H. Guinzburg, David Amram, um barman do centro da cidade, Barbara Epstein, Jill Fox, um distribuidor local de entorpecentes, Piedy Gimbel, Dwight MacDonald, Bill Cole, Jules Feffer. E nesta cena, numa noite de inverno, penetrou uma velha amiga de George Plimpton: Jacqueline Kennedy.

- Jackie! – exclamou George, ao abrir a porta e dar com a Primeira-Dama, acompanhada da irmã e do cunhado, os Radziwills. A Sra. Kennedy, sorrindo amplamente, entre dois cintilantes brincos, estendeu a mão a George, a quem conhece desde os tempos de infância, e conversaram alguns minutos no hall, enquanto George a ajudava a despir o casaco. Depois, espreitando para o quarto e reparando numa pilha de sobretudos mais alta que um Volkswagen, a Sra. Kennedy falou, numa voz suave, cheia de simpatia:

- Oh George! A sua cama!

George deu de ombros e escoltou-os pelo hall, descendo três degraus até a sala enfumaçada.
- Olhe, - disse uma boneca, a um canto – lá está a irmã de Lee Radziwill!

George apresentou primeiro Ved Mehta, o escritor indiano, à Sra. Kennedy, depois esgueirou-se habilmente com ela por Norman Mailer, seguindo em direção a William Styron.

- Olá, Bill – disse ela, apertando-lhe a mão. – É um prazer vê-lo. Conversando com Styron e Cass Canfield, a Sra. Kennedy ficou de costas para Sandra Hochman, poetisa de Greenwich Village, loura oxigenada, vestindo um grosso suéter de lã e calças de esqui parcialmente abertas.

- Creio que estou um pouco déshabillée – murmurou a Srta. Hochman a um amigo, com sinal de cabeça para o belo terninho em brocado branco da Sra. Kennedy.

- Tolice – disse o amigo, jogando cinza de cigarro no tapete.

E para falar a verdade é preciso dizer que nenhuma das setenta pessoas presentes na sala achou que os trajes de Sandra Hochman contrastassem de maneira desagradável com os da Primeira-Dama; de fato, alguns nem a notaram, e houve quem a visse, sem a reconhecer.

- Ora, - falou, alguém espreitando através a fumaça em direção ao complicado penteado da Sra. Kennedy – aquilo é moda este ano, não é? E aquela garota quase acertou.

Enquanto a Sra. Kennedy conversava a um canto, a Princesa Radziwill batia um papo com Bee Whistler Dabney, pouco adiante, e o Príncipe Radziwill permanecia sozinho junto ao piano de cauda, cantarolando baixinho, como faz com frequência em reuniões. Em Washington, é conhecido como um grande cantarolador.

Quinze minutos após, a Sra. Kennedy, que era aguardada num jantar oferecido por Adlai Stevenson, despediu-se de Styron e Canfield, e, acompanhada de George Plimpton, dirigiu-se aos degraus que levavam ao hall. Norman Mailer, que entretanto bebera três copos de água, estava junto aos degraus e fitou-a com fixidez quando ela passou. Jacqueline não retribuiu o olhar.

Três rápidos passos e ela desapareceu – transpôs o hall, vestiu o casaco e as longas luvas brancas, e desceu dois lances de escada até a calçada, sequida pelos Radziwills e George Plimpton.

- Vejam! – gritou uma loura, Sally Belfrage, olhando da janela da cozinha para as pessoas que entravam na limusine. – Lá está George! E veja que carro!

- Que é que há de extraordinário no carro? – perguntou alguém. – É apenas um Cadillac.

- Sim, mas é preto e não tem enfeites cromados.

Sally Belfrage viu o grande veículo, apontando na direção de um outro mundo, deslizar macio para longe, mas na sala a festa continuava mais animada que nunca, e quase ninguém notou que o anfitrião desaparecera. Mas havia bebida e bastava lançar um olhar às fotos das paredes para sentir a presença de George Plimpton. Uma fotografia mostra-o toureando pequenos touros na Espanha, com Hemingway. Outra surpreendeu-o bebendo cerveja com os “Jovens Altos” num café parisiense. Outras exibem-no como tenente, marchando com um pelotão pelas ruas de Roma. Ou como tenista do King’s College, lutador amador, sparing para Archie Moore no Ginásio Stillman, ocasião em que o cheiro a ranço do local foi temporariamente substituído pelo perfume a almíscar do El Morocco e os aplausos dos amigos de Plimpton quando ele conseguiu um golpe certeiro, rapidamente transformado num “Ohhhhhhhh” quando Archie Moore rebateu com um soco que quebrou em parte a cartilagem do nariz de Plimpton, fazendo-o sangrar e levando Miles Davis a perguntar depois:

- Archie, esse sangue nas suas luvas é negro ou branco?

Ao que um dos amigos de Archie replicou: - Senhor, isto é sangue azul.

Na parede vê-se ainda um rebab, instrumento de uma corda, feito de couro de bode, e que os beduínos lhe ofereceram antes que ele fizesse um pequeno papel em Lawrence of Arabia, durante uma tempestade de areia. E sobre o piano de cauda – ele toca bastante bem para ter conquistado um terceiro prêmio, na Noite dos Amadores, no Teatro Apolo, cerca de dois anos passados, na Harlem – vê-se um coco que lhe foi enviado por uma nadadora que ele conheceu em Palm Beach, e também a fotografia de outra jovem, Vali, existencialista de cabelos cor de laranja, conhecida de todas as concierges na Rive Gauche como la bête; e também um bastão de basebol, que Plimpton ocasionalmente atira do lado oposto do living, a uma poltrona baixinha, gorda e acolchoada, usando o mesmo desabafo que quando praticava contra Willie Mays ao pesquisar para seu livro Out of My League, sobre os sentimentos de um amador entre profissionais – e que, aliás, é uma chave não só para George Ames Plimpton, como também para vários outros da Paris Review.

Vários deles vivem obcecados pelo desejo de saber como viver a outra metade. Assim travam amizade com as figuras mais interessantes entre os excêntricos, evitamos chatos de Wall Street e mergulham no mundo dos traficantes, pederastas, boxadores e aventureiros, em busca de emoções e literatura, influenciados talvez por aquela gloriosa geração de motoristas de ambulância que os precedeu em Paris, aos vinte e seis anos.


quinta-feira, 24 de agosto de 2017

O Gaúcho - José de Alencar | Manuel Canho e seus amigos cavalos


Estamos em 1832 e conhecemos nosso protagonista Manuel Canho - o gaúcho. Ele nos apresenta um personagem sério, determinado, simples, de postura reta e decidido à sua missão.

Sua missão é vingar a morte do pai. João Canho foi assassinado na frente do filho em 1820, quando o gaúcho tinha apenas 8 anos e tinha o maior orgulho do pai.

O gaúcho parte determinado a vingar a morte do pai e sai montado em seu cavalo Morzelo, personagem que por assim dizer, já vingou a morte do seu dono João Canho. No meio do caminho ele encontra a selvagem Morena. Mãe selvagem prisioneira à procura de seu poldrinho.

Muito interessante como os animais aqui são também personagens, e personagens muito presentes e importantes para o curso da estória. Animais com sentimentos humanos ou talvez sentimentos que ignoramos que os animais possam ter. Para mim, foi o que tornou este livro mais especial.

Temos, em meio a esta estória de vingança, uma estória de amor que foi se construindo aos poucos. Catita é uma personagem com vontade de amar, e desde o início declarou o seu interesse por Manuel. Porém Manuel não retribuiu, riu-se de sua paixão - ele só tinha olhos para a vingança. Mas posteriormente ele se encontra também apaixonado por ela. Algumas coisas acontecem para impedir essa paixão.

Não quero entrar em detalhes em relação a tudo que acontece. Mas é preciso dizer que temos muitas ações neste livro muito interessantes: ações, aventuras, dramas.

Nós estamos diante de costumes muito antigos, de paisagens limpas e puras, de personagens com valores agora muito distantes. O autor descreve muito bem a paisagem sulista, e muito bem as vestimentas. Vamos nos deparar com palavras talvez desconhecidas para alguns leitores como "coxilha", "piquete", entre outros.  

É preciso dizer que há um contexto histórico muito importante neste livro. Como disse, conhecemos o protagonista em 1832 e neste ano já se discute sobre a revolução com o objetivo de instalar a República. Isso influencia os personagens e indiretamente Manuel, que começa a trabalhar para Lucas Fernandes (pai de Catita). Em 1835 começa a Guerra dos Farrapos.

Personagens muito bem construídos, eventos isolados muito importantes para a construção da estória, a humanização dos animais, a maternidade (relação de mãe e filho), ambientes e vestimentas muito bem descritos, discussão política e contexto histórico.

É um livro imperdível para nós brasileiros.


*  *  *


José de Alencar nasce em 1829 no Ceará e morre no Rio de Janeiro em 1877 de tuberculose. Escreve O Gaúcho em 1870 e usa o pseudônimo "Sênio" a partir de então.

Alencar cursou Direito, foi deputado, redator-chefe de jornal, Ministro da Justiça. Escreveu críticas, peças de teatro, crônica, autobiografia e 19 romances. Seu apelido em casa era Cazuza.


Fotos da edição do livro de 1953.
Trechos do livro O Gaúcho.

sábado, 19 de agosto de 2017

Trechos de O Gaúcho - José de Alencar


Gaúcho na campanha, s/d
José Lutzenberger (Alemanha 1882- Brasil 1951)
aquarela sobre papel, 21 x 29 cm
Museu Ado Malogoli, Porto Alegre.
fonte da imagem


"-Mamãe.
Palavra inata, que o espírito traz do céu, como traz a consciência de sua origem. Quando Deus encarna as almas, para semear a terra, imprime-lhes dois emblemas indeléveis: a consciência da divindade e a intuição da maternidade; o vento divino e o verbo humano".

"Desde o rugido do leãozinho até o imperceptível estalido da larva, todo o ente gerado diz - mãe.
Também o seio, dotado de faculdade conceptiva, nenhum há que não palpite íntima e profundamente ao eco daqueles sons. Parece que ele conserva a sensibilidade interno do contato com o filho que gerou; a dor, como a alegria, se comunica e transmite de um a outro por misteriosa repercussão."

"Não é só amor, paixão e culto, a maternidade; mas também e principalmente uma reprodução da existência. Renasce a mãe no filho, volve à puerícia para simultaneamente com ele, a par e passo, de novo percorrer a mocidade e a existência."

"Desde que nasce o filho, logo a mãe de novo o concebe, mas dentro d'alma: há aí um seio criador, como o útero; chama-se coração.
Dura esta gestação moral, não meses, porém anos; os estremecimentos íntimos e os repentinos sobressaltos se transmitem; há um cordão, invisível, que prende o coração-mãe ao coração-filho, e os põe em comunicação. A vida é uma só, repartida em dois seres."

"A alma que uma vez subtrai-se ao domínio de outra, reage com um impulso irresistível.
Não há pior déspota do que seja o cativo submisso, quando se revolta."

"O sol despontava.
A manhã límpida e serena esparziu a doce luz aquela terra convulsa. No meio dos sobejos da borrasca, entre as estilhas dos troncos seculares, as farpas de rochedo e o solo revolto, o tenro grêlo da semente rompia o seio da terra; e a flor azul de uma trepadeira estrelava suas pétalas aveludadas."

sábado, 12 de agosto de 2017

Li um livro que pertenceu ao meu avô / Sobre Oração aos Moços de Ruy Barbosa


“Oração aos Moços” foi um discurso que o autor preparou para doutorandos da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920.

Por estar adoecido naquele dia (ele morreria três anos depois), o discurso foi lido pelo prof. Dr. Reinaldo Porchat.

A edição que eu tenho em mãos é de 1949 e foi dado pelo diretor (na época se escrevia director) na colação de grau da Faculdade de Direito da Universidade do Recife em cinco de novembro para o meu avô paterno Dercílio de Andrade Pereira.

Aqui você vai encontrar algumas fotos dessa edição.

Peguei o livro por um motivo pessoal. O meu pai estava se desfazendo de alguns livros e deixou que eu escolhesse alguns antes de doar. Vi um livro pequeno, e por ser tão curiosa em relação a livros velhos, eu acabei pegando ele. Meu pai contou que era do meu avô.

Não pude conhecê-lo. Ele morreu antes mesmo de eu ter nascido. Meu pai me contou histórias isoladas da infância dele com o pai – rigoroso, militar e leitor assíduo. A morte dele foi um mistério para mim durante anos.

Let’s come back about the book!

Mesmo não sendo da área de Direito, achei as palavras do Ruy Barbosa muito pertinentes sobre política, corrupção, lei e justiça. E para entender melhor, leia alguns trechos que deixei disponível aqui no blog.

Apesar do assunto sério, eu pude rir um pouco dos conselhos do jurista e diplomata Ruy Barbosa.

“Não invertais a economia do nosso organismo: não troqueis a noite pelo dia, dedicando este à cama, e aquela às distrações. O que se esperdiça para o trabalho com as noitadas inúteis, não se lhe recobra com as manhãs de extemporâneo dormir, ou as tardes de cansado labutar”.

Eu consigo ouvir isso da boca dos meus professores da faculdade. Muito normal de professores dar conselhos desse tipo para os estudantes.

Como um bom religioso, Barbosa aconselhava os estudantes a acordar cedo e louvar a D’us.

O autor deu vários conselhos como não faltar com a fidelidade, não antecipar os poderosos aos desvalidos, não se envolver com partidos políticos e etc.

*  *  *

Ruy Barbosa foi muito estimado pelo país inteiro até os seus cem anos de nascimento. Talvez os jovens de hoje, jovens como eu, não tenham ouvido muito sobre ele. Nasceu baiano, morreu no Rio de Janeiro. Era um gênio desde muito pequeno. Seu rosto foi estampado em notas de dez mil cruzeiros e, posteriormente, nas notas de dez cruzados. Seu rosto também estava nos vinte centavos de cruzeiro e em selos do Correio.

Morreu aos 73 anos, em 1923, por causa de um grave endema pulmonar.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Fotos em Olinda



Algumas das fotografias que eu tirei aqui em Olinda.

Em uma das fotos aparece um urubu de asas abertas na cúpula do Convento de São Francisco em Olinda. 

Uma outra foto aparece um pedaço de altar (retábulo) do século XVIII, localizada no Museu de Arte Sacra de Pernambuco (Maspe).

Espero fazer um vídeo melhor mostrando mais lugares e com mais informações.

domingo, 23 de julho de 2017

Trechos de Oração aos Moços (Rui Barbosa)


"Amigos e inimigos estão, amiúde, em posições trocadas. Uns querem mal, e fazem-nos bem. Outros nos almejam o bem, e nos trazem o mal."

"Que se feche, pois, alguns momentos o livro da ciência; e folheemos juntos o da experiência."

"A vida não tem mais que duas portas: uma de entrar, pelo nascimento; outra de sair, pela morte."

“A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualdade aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem.

Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria.

Mas, se a sociedade não pode igualar os que a natureza criou desiguais, cada um, nos limites da sua energia moral, pode reagir sobre as desigualdades nativas, pela educação, atividade e perseverança. Tal a missão do trabalho.”

"Estudante sou. Nada mais. Mau sabedor, fraco jurista, mesquinho advogado, pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado. Nem isso mesmo sei se saberei bem. Mas, do que tenho logrado saber, o melhor devo às manhãs e madrugadas. Muitas lendas se têm inventado, por aí, sobre excessos da minha vida laboriosa. Deram, nos meus progressos intelectuais, larga parte ao uso em abuso do café e ao estímulo habitual dos pés mergulhados n’água fria. Contos de imaginadores. Refratário sou ao café. Nunca recorri a ele como a estimulante cerebral. Nem uma só vez na minha vida busquei num pedilúvio o espantalho do sono."

"Mas, senhores, os que madrugam no ler, convém madrugarem também no pensar. Vulgar é o ler, raro o refletir. O saber não está na ciência alheia, que se absorve, mas, principalmente, nas ideias próprias, que se geram dos conhecimentos absorvidos, que se geram dos conhecimentos absorvidos, mediante a transmutação, por que passam, no espírito que os assimila."

"Uma vez, que Alcibíades discutia com Péricles, em palestra registrada por Xenofonte, acertou de se debater o que seja 'lei', e quando exista, ou não exista.
- Que vem a ser 'lei'?, indaga Alcibíades.
- A expressão da vontade do povo, respondeu Péricles.
- Mas que é o que determina esse povo? O bem, ou o mal?, replica-lhe o sobrinho.
- Certo que o bem, mancebo.
- Mas, sendo uma oligarquia quem mande, isto é, um diminuto número de homens, serão, ainda assim, respeitáveis 'as leis'?
- Sem dúvida.
- Mas, se a disposição vier de um tirano? Se ocorrer violência, ou ilegalidade? Se o poderoso coagir o fraco? Cumprirá, todavia, obedecer?
Péricles hesita; mas acaba admitindo:
- Creio que sim.
- Mas então, insiste Alcibíades, - o tirano, que constrange os cidadãos a lhe acatarem os caprichos, não será, esse sim, o inimigo 'das leis'?
- Sim; vejo agora que errei em chamar 'leis' às ordens de um tirano, costumado a mandar, sem persuadir.
- Mas, quando um diminuto número de cidadãos impõe seus arbítrios à multidão, daremos, ou não, a isso o nome de violência?
- Parece-me a mim, concede Péricles, cada vez mais vacilante, - que em caso tal, é de violência que se trata, não 'de lei'.
Admitindo isso, já Alcibíades triunfa.
-Logo, quando a multidão, governando, obrigar os ricos, sem consenso destes, não será, também, violência, e não 'lei'?
Péricles não acha que responder; e a própria razão não o acharia. Não é 'lei' a lei, senão quando assenta no consentimento da maioria, já que, exigido o de todos, 'desiderandum' irrelizável, não haveria meio jamais de se chegar a uma lei.

"Não vos mistureis com os togados, que contraíram a doença de char sempre razão ao Estado, ao Governo, à Fazendo; por onde os condecora o povo com o título de “fazendeiros”. Essa presunção de terem, de ordinário, razão contra o resto do mundo, nenhuma lei a reconhece à Fazendo, ao Governo, ou ao Estado."

“Os tiranos e bárbaros antigos tinham, por vezes, mais compreensão real da justiça que os civilizados e democratas de hoje. Haja vista a história, que nos conta um pregador do século XVII.
A todo o que faz a pessoa de "juiz", ou "ministro", manda Deus que não considere na parte a razão de príncipe poderoso, ou de pobre desvalido, senão só a razão do seu próximo... Bem praticou esta virtude Canuto, rei dos Vândalos, que, mandando justiçar uma quadrilha de salteadores, e pondo um deles embargos de que era parente d’el-Rei, respondeu: "Se provar ser nosso parente, razão é que lhe façam a força mais alta".

sexta-feira, 7 de julho de 2017

Trechos de Metafísica de Aristóteles


“tua matéria, tua forma e tua causa motriz diferem das minhas, conquanto sua definição geral seja a mesma” 24

“...a relação entre ato e potência é semelhante à de um homem que está construindo para o homem que sabe construir, do homem desperto para o homem adormecido, daquele que vê para o que possui visão, mas tem os olhos fechados, daquilo que é moldado na matéria para a própria matéria, do produto acabado para a matéria-prima”. 25

É absurdo procurar ao mesmo tempo o conhecimento e a maneira de atingi-lo; e não é fácil conseguir sequer uma dessas coisas. 67-68

“...a incerteza em que nos encontramos efetivamente está a indicar a existência de um ‘nó’. O pensamento, quando perplexo, assemelha-se a um homem amarrado, pois nem um nem o outro pode avançar.”

“...quem ouviu todos os argumentos contrários, como partes numa ação judicial, está em melhores condições para julgar” 69

“...a causa motriz de uma casa é a arte do construtor, a causa final é a função que ela desempenha, a causa material são a terra e as pedras, e a causa formal é a sua definição”

“...a ciência da finalidade e do bem é da natureza da Sabedoria...”

“...só há conhecimento, mesmo das coisas que é possível demonstrar, quando lhes conhecemos a essência...” 72

“E, se não ao filósofo, a quem mais caberia investigar-lhes a verdade ou falsidade?” 73

“...alguns recebem o seu nome pelo fato de possuí-lo, outros porque o produzem, e outros ainda por motivos análogos”. 90

“a experiência fez a arte, e a inexperiência fez o acaso” Pólo

“...algumas coisas não podem existir sem outras com respeito à geração, como o todo sem as partes, e outras com respeito à dissolução, como as partes sem o todo. E o mesmo vale para todos os demais casos” 125

“Este homem, pois, terá morte violenta se sair; e sairá se sentir sede; e sentirá sede se outra coisa acontecer; e assim acabamos por chegar ao que é presente agora ou a alguma ocorrência passada. Por exemplo, o homem sairá se tiver sede; e terá sede se está comendo algo muito salgado; e isto está ou não acontecendo; logo, ele necessariamente morrerá ou não morrerá. (...) se saltarmos aos acontecimentos passados, esse encadeamento de causas também será válido, pois a passada condição em algo já está presente”. 145

“[...] uma mão animada; se não tem vida, não é parte do homem” 167

“tudo que se produz provém de algo e em algo se torna” 187

O ser se divide em: substância, qualidade, quantidade e também em potência e em ato. 190

 “a verdade é perceber e dizer o que se percebe (e dizer não é o mesmo que afirmar)” 205

“o homem é a medida de todas as coisas” Protágoras 209

“A privação é uma condição ou incapacidade determinada ou incorporada a um sujeito” 214

“...indispensável é que as sementes ajam sobre a terra e o sêmen sobre o sangue menstrual”

“...nada se move ao acaso, mas é preciso que sempre haja uma causa motriz...” 256

“O mundo é como uma família em que os homens livres são os que menos liberdade têm de agir segundo a sua fantasia, mas todas ou quase todas as suas funções já se acham determinadas, enquanto os escravos e os animais, cuja contribuição para o bem comum, cuja contribuição para o bem comum é pequena, vivem em geral ao acaso”. 265