terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Rosshalde - Hermann Hesse

Capa da minha edição que se soltou e eu coloquei na parede


Rosshalde é um romance escrito pelo alemão Hermann Hesse. O livro foi publicado pela primeira vez em 1914 e traduzido para o inglês em 1970. A obra conta a história do casamento fracassado entre o protagonista Johann Veraguth e Adele Veraguth.

Veraguth é um pintor renomado que vive em sua propriedade Rosshalde e trabalha em seu estúdio que fica do lado de fora da mansão onde fica a sua esposa e seu filho caçula, Pierre. Enquanto Veraguth fica isolado e compenetrado em seu trabalho, sua esposa cuida do filho pequeno e do jardim. Mas na maioria das vezes, Adele fica sentada ao ar livre olhando para o nada. Enquanto o pequeno Pierre procura por uma aventura, uma descoberta e sente necessidade em entender a língua das abelhas.

Pierre tem um irmão mais velho chamado Albert que está em outra cidade estudando. Albert é o filho que não se dá muito com o pai, mas muito apegado a mãe. Albert é estudioso, amante da boa música (música erudita) e se dedica a tocar piano. Conhecemos Albert um pouco antes dele passar as suas férias em Rosshalde – através de um curto diálogo entre Adele e seu marido.

Rosshalde fica localizada em uma cidade muito tranqüila. O pintor gosta do bosque de Rosshalde, mas não do centro da cidade – que faz lembrar a sua infância. A propriedade tem cuidados dos criados, mas somos apresentados apenas a Robert, um criado fiel ao dono da mansão. Que ao mesmo tempo é um pintor muito conhecido.

Veraguth tem um único amigo em que confia – seu amigo de infância Otto Burkhardt. Otto é solteiro que mora na Índia e viaja muito pelo mundo – aparenta ser um bom vivã. Veraguth hospeda Otto em sua casa muito entusiasmado, e muito mais por viver isolado e ter um relacionamento estranho e distante com Adele.

O diálogo entre os dois velhos amigos não deixa dúvidas que houve algo no passado que mudou a vida de Veraguth e o transformou em um homem distante, isolado em seu trabalho e rígido com sua mulher e com o filho Albert. Veraguth tinha um apreço especial pelo pequeno Pierre e o tratava diferente – mais amável. Mas não sabemos do que se trata. Algo aconteceu entre ele e Adele que mudou seu relacionamento.

Seu velho amigo Otto lhe faz uma proposta muito tentadora. De sair de Rosshalde e abandonar a sua família. Veraguth pensa muito em seu pequeno Pierre antes de tomar a sua decisão. Mas seu conflito entre ele e sua esposa parece ser maior que o afeto pelo pequeno. E aí vemos um tema que faz parte da humanidade – o escapismo. Como a fase da adolescência, muitas vezes o escapismo é também como uma fase que cada um de nós passamos um dia.

Rosshalde é uma leitura que vela muito a pena. É comovedor, é emocionante, é viciante, é melancólico, enfim. Rosshalde narra a vida de um pintor (e Veraguth não poderia ser outra coisa – ele se encaixa muito bem) que descobre a necessidade de se refugiar, de mudar a sua vida e conquistar a liberdade. Além de superar as suas frustrações, seus incômodos “que durante anos lhe amargaram a vida”.


O cara

Hermann Hesse é um escritor que costuma tratar da problemática existencial – como o fez muito em O Lobo da Estepe. É um autor excepcional, sem sombras de dúvidas. E deve ser tratado com muito respeito. Acredito que suas obras deveriam ser reeditadas. E digo mais, acho que algumas obras poderiam ser adaptadas para o cinema ou TV. Rosshalde teria uma adaptação muito mais interessante, acredito, que O Lobo da Espete, por exemplo.

Leia +
HERMANN HESSE: A BUSCA PELO AUTOCONHECIMENTO DIANTE DAS RESTRIÇÕES SOCIAIS

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Folha de Esboços


Estala frio o vento de outono
nos juncos ressequidos,
cinzentos no anoitecer,
Gralhas esvoaçam do salgueiro
e perdem-se no campo.

Solitário na praia, um anicão
sente o vento nos cabelos, a noite e a neve iminente,
olha das sombras da praia distante ainda sorri
na luz: dourado além, belo como sonho e poesia.

Olha firme o quadro luminoso,
pensa no lar, pensa na juventude,
vê o ouro empalidecer e apagar-se,
vira-se e caminha
afastando-se lento do salgueiro
e perdendo-se no campo.

Escrito em 5 de dezembro de 46
Saudações de H. Hesse

Retirado do livro Correspondência Entre Amigos, de Hermann Hesse e Thomas Man

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Hiroshima de John Hersey - A narrativa que comove e o jornalismo que humaniza

Foto

Escritor da obra Hiroshima
 John Hersey
John Hersey conta a história da bomba atômica que atingiu a cidade Hiroshima, no Japão, em sua obra. Antes de ser publicado em forma de livro, o jornalista teve espaço de publicar a história em uma edição inteira da revista americana chamada The New Yorker. A reportagem deu origem ao jornalismo literário, na opinião de alguns estudiosos.

A narrativa acompanha a experiências de seis sobreviventes em uma triste e emocionante descrição sobre as conseqüências da bomba. A obra conta com detalhes o que aconteceu com as pessoas atingidas e como ficou a cidade – é muito realista. Tornando a leitura impactante e perturbadora.

A bomba teve muitas conseqüências para a vida das pessoas. E conseguimos notar isso acompanhando os seis sobreviventes que o autor escolheu narrar. Os sobreviventes tiveram conseqüências principalmente em sua saúde, mas também em crenças, relacionamentos e comportamentos. Essas pessoas nunca mais foram as mesmas.
da Revista The New Yorker

É possível perceber durante a leitura, modo como os japoneses lidaram com essa situação – os japoneses foram muito fortes ao conseguirem construir a cidade e ainda sim emocionalmente. Mesmo com o ódio que assolou o coração de muitos na explosão, outros conseguiram lidar os americanos. É por aí e outras que a história contada pelo escritor deixa margem à reflexões do caso de Hiroshima que assusta até hoje.

Quando ouvimos falar de bombas atômicas sabemos do mal, dos impactos e da destruição que causam. Mas é na obra de John Hersey que, com as descrições minuciosas do drama e do sofrimento, ficamos a par da realidade desse artefato – mas com o coração abalado.

O jornalista finaliza a sua obra contando a vida cotidiana dos seis sobreviventes após a explosão da bomba. Além de uma reconstrução minuciosa rica em detalhes, o leitor percebe que a bomba deixou marcas irreparáveis.

John Hersey, com o livro Hiroshima, deixa um legado importantíssimo para o jornalismo. John saiu do jornalismo convencional das páginas dos jornais diários para mergulhar em um jornalismo reflexivo, rico em detalhes, mas rico também em sentimentos e humanismo (que falta nos jornais pelo excesso de sensacionalismo).

O autor teve muito cuidado em sua narrativa colocando em primeiro lugar a cultura daquele local e respeitando. Esse respeito cria uma identidade que tocam o leitor e humaniza a reportagem literária, distante da frieza cotidiana dos jornais. Apesar de não poupar o leitor com as descrições da destruição e suas conseqüências, o autor apresenta uma narrativa emocionante e sensível.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A Vida que Ninguém Vê - Eliane Brum

Foto de Demenores
A Vida que Ninguém Vê, como o título já diz, conta histórias de pessoas anônimas, pessoas comuns, humildes. São crônicas que a jornalista Eliane Brum conta durante sua carreira no jornal Zero Hora. As histórias são fascinantes e todas tem um olhar crítico, uma reflexão.

O jornalismo que encontramos aqui é o jornalismo literário, para quem quiser saber mais sobre esse tipo de jornalismo, procure pelo livro Jornalismo Literário e também leia sobre o Novo Jornalismo (New journalism). É uma área quase inexplorada pelos repórteres de hoje em dia.

Jornalismo está além do jornalismo convencional, com fontes oficiais, leads, estatísticas, citações. E é contando histórias de pessoas simples como mendigos, trabalhadores, pedintes, deficiente físico, analfabetos. Eliane prova, mais uma vez, que jornalista tem que estar nas ruas e não encarcerado nas redações mandando e recebendo e-mail e fazendo entrevistas por telefones.

O repórter deve ter sensibilidade para não ficar bitolado nas pautas que os editores entregam. O repórter deve enxergar a vida por um outro ângulo. Quem iria enxergar a vida de um mendigo, de um cadeirante, de uma pedinte no semáforo se existem tantos por aí?

Todas as histórias nos contam algo de nós mesmos. E contam sempre algo novo, diferente e interessante. Isso a gente não espera de um jornal impresso. Histórias de pessoas comuns, sem números, sem siglas, sem estatísticas, sem detalhes.

Aprendemos muito com as histórias contadas por Eliane Brum, essa jornalista porreta! A gente aprende a valorizar a vida da gente e aprende a vê-la de outra forma. Como se cada dia fosse página de um livro, como se fosse protagonistas, personagens e leitores de nossas próprias vidas.

Eu recomendo imensamente a qualquer pessoa ler este livro. Ele é para todos os gostos, para todas as idades e agradeço imensamente a minha professora por obrigar os alunos a ler este livro maravilhoso. É uma leitura rápida de uma tarde e sua tarde ficará ainda mais linda com essa leitura. Assim que devolverem a minha prova postarei novamente sobre este livro (talvez).

sábado, 19 de outubro de 2013

A Aventura da Reportagem, livro para aprendiz

Capa | Skoob
O livro “A Aventura da Reportagem” é dividido em duas partes contando as experiências profissionais dos jornalistas Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotscho. A apresentação é de Clóvis Rossi e não poderia ter ficado melhor – com um tom de seriedade e ao mesmo tempo de humor. 

A primeira parte é escrito por Dimenstein contando suas experiências no ambiente de política e disputas partidárias. Com suas experiências, ele aponta as várias condições e situações que todo repórter enfrente durante sua apuração. Todos os pontos estão subdivididos em tópicos.

A primeira lição apresentada por Gilberto Dimenstein é o off “a responsabilidade do off é de quem publica, não de quem produz informação falsa”. Depois o jornalista fala das armadilhas que existem. Mas comum na área da política. Entre os vários tópicos apresentados por ele, além das já apresentadas anteriormente são “fontismo” falando das fontes; “versões” onde ele deixa um ditado comum entre os políticos: “Em política, o que vale é a versão e não fatos”, mostrando que a veracidade no mundo da política é uma questão incerta.

Gilberto Dimenstein
Um outro tópico interessante é “deslizes” onde ele fala da apuração, os boatos e etc e diz que “a vítima foi parte da imprensa, que confiou demais e checou de menos”. Além de alertar para os boatos e falta de checagem, ele alerta para as mentiras e fofocas.

Um dos tópicos mais interessantes de Gilberto Dimenstein é “investigação”. Neste tópico ele conta que a falta de fontes para denunciar alguma falcatrua faz o repórter começar uma investigação.

A segunda parte do livro é escrita por Ricardo Kotscho. O perfil dele é diferente de Gilberto Dimenstein em política. Como fala Clóvis Rossi na apresentação do livro, Ricardo Kotscho “especializou-se em contar histórias dos anônimos, das pessoas e dos lugares que raramente entram nos jornais, rádios e televisões”.

A vantagem do jornalista Kotscho é que ele veio de uma família alemã. Com a dominação da língua alemã, Kotscho conseguiu, além de traduzir notícias, fazer matéria fora do país e assim, conseguir alguns furos de reportagens e escrever matérias diferenciadas.
Ricardo Kotscho
Desde sempre Ricardo Kotscho gostava de ler jornais. Ao se tornar jornalista, aguçou sua percepção. Diferente de outros repórteres, Ricardo tinha um olhar incomum – “Meio por necessidade de fazer algo diferente, meio por sacação, já que a imprensa sempre se ocupava dos mesmos personagens, civis ou militares, oficiais sempre, fui falar com o povo”. 

Assim, o jornalista foi conseguindo matérias e informações por meio de sua “sacação”. Essa foi a melhor lição na história de Kotscho – jornalista tem que ter percepção, agir além daquilo que é mandado fazer.

É possível observar que o livro “A Aventura da Reportagem” escrito por Gilberto Dimenstein e Ricardo Kotscho traz várias lições de experiências para o jovem estudante de jornalismo ou o jovem repórter. É uma leitura simples com uma narrativa tranquila e, ao mesmo tempo que ela é divertida, ela consegue passar muitos aprendizados.

domingo, 13 de outubro de 2013

"Por favor, visitas não"


...durante as longas férias das escolas superiores chegam bandos de estudantes, em parte rapazes simpáticos e interessantes, mas assim em massa não os suporto. Fazem "trabalho de campo" por algumas semanas, depois passam ainda umas férias na Suíça, visitam de carona todos os lugares famosos e também homens famosos. Ficam parados aqui quase todos os dias a toda hora, riem da inscrição "Por favor, visitas não" no portão da minha casa, assaltam-me nos cantos mais ocultos do meu jardim, e já por três vezes provocaram neste velho eremita ataques de fúria, que depois deixaram por horas a fio taquicardia e terrível dor de cabeça....


Retirado do livro Correspondência Entre Amigos, de Hermann Hesse e Thomas Man

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Amar, Verbo Intransitivo - Mário de Andrade



Não me sinto na liberdade para falar dessa obra magnífica de Mário de Andrade. Não é uma leitura simples, é uma leitura que você tem que ir se acostumando, como diz o próprio escritor no posfácio: "A língua que usei. Veio escutar melodia nova. Ser melodia nova não quer dizer feia. Carece primeiro de se acostumar. [...]"

O livro foi publicado em 1927 e conta a estória da iniciação sexual do adolescente Carlos com Fraülein, mulher alemã contratada pelo pai de Carlos, Sousa Costa.

Só quero ressaltar aqui, o quanto eu gostei da intromissão de Mário na obra. Ele tinha autoridade para, em um parágrafo ou outro, conversar com o leitor e discutir narrativa e enredo. Ele coloca seu dedo lá sempre. E não foi ruim, foi lindo, foi original e digo mais - foi essencial. Esse xereta que é o escritor, tornou a leitura muito mais divertida quando quis ponderar algumas situações.

E agora, pra quem quer ter uma resenha bem escrita, sugiro que vá na página da Fernanda.

Vou deixar aqui a análise crítica do SOS Estudante:
"Mário de Andrade apresenta em seu romance uma situação que, como todos sabem ,é bastante objetiva: uma família, para proteger seu filho de eventuais aventuras, decide contratar uma professora que lhe dê as primeiras lições de amor. Isto é objetividade pura. Mas também é ignorância familiar, que não sabe calcular as conseqüências.
Mas, se o quadro das funções ou dos papéis está tão objetivamente distribuído, o quadro da intimidade vai apresentar uma dimensão até certo ponto contrastante com o esquema básico do livro. Porque é estranho que a professora, depois de tanta experiência ainda se apaixone e tenha ciúmes inexplicáveis. Sobretudo se lembrarmos o modo com Fräulein serena, fria e germanicamente costuma cumprir com suas obrigações. Mário de Andrade, como sabemos, tentou defender sua personagem da acusação de contraditória. E se justifica com base em psicologia moderna, sobretudo Freud. Aliás, as intervenções psicologistas do narrador são uma das características centrais do livro. E nem sempre são bem sucedidas. Elas de certa forma demonstram que a ação não se sustenta por si mesma, e que a narrativa está pedindo socorro teórico. Outro dos caminhos que Mário de Andrade escolheu para fugir da pobreza espiritual da família média paulistana, bem como a limitação natural do assunto, foi a exploração do imaginário de Elza. E, ao que parece, esta é a parte que mais me convence no livro. Porque sob esse aspecto, Mário consegue realmente criar a impressão de uma figura humana comovente. Não quando Elza age. Mas quando Elza tem seus escapismos, quando pensa num casamento na Alemanha, quando hesita entre o espírito e a prática, quando se sente humilhada, quando tem suas raivas, quando fica entre ir embora ou permanecer".


Curiosidade: O filme Lição de Amor, de 1975, com Lilian Lemmertz é baseado no romance.

Alguns trechos:

"É coisa que se ensine o amor? Creio que não. Ela crê que sim. Por isso não foi no jardim, deve se guardar. Quer mostrar que o dever supera os prazeres da carne, supera. Carlos desfolha uma rosa. Sob as glicínias da pérgola braceja de tal jeito que o chão todo se pontilha de lilá." - pag. 65

"Fräulein tinha poucas relações na colônia, achava-a muito interesseira e inquieta. Sem elevação. Preferia ficar em casa nos dias de folga relendo Schiller, canções e poemas de Goethe. Porém com as duas ou três professoras a que mais se ligava pela amizade da instrução igual, discutia Fausto e Werther. Não gostava muito desses livros, embora tivesse a certeza que eram obras-primas." - pag. 67

"Não se discute: os estigmas do pecado alindam qualquer cara. Carlos hoje está quase bonito, desse bonito que pega fogo nas mulheres. Até nas virgens, apesar do físico perfeito de Peri e do moçoloiro. Carlos estava assim com um arzinho sapeca, ágil, um arzinho faz-mesmo. Não se moçoloirara nem um pouco. Porém se cantava satisfeito parou a desafinação de repente, malestar... Berimbaus guisos membis, as meninas voltavam do passeio. Fräulein devia estar com elas. Ficaram no jardim." - pag. 101

"Vieram correndo em busca dos amantes, os tempos de intimidade. A gente nem respira e a vida já fica tão de ontem! É esquisito: o amor realizado se torna logo parecido com amizade... Carlos já senta-se e cruza as pernas. Se fumasse, fumaria. E sempre o mesmo ardente, o mesmo entusiasmo... Mas porém cruza as pernas, que é sintoma de amizade. Talvez mesmo pra evitarem o excesso de camaradagem, que traz os dizque e conta os casos desimportantes do dia, eles falam unicamente de amor. Não é por isso não. Fräulein tem de ensinar e ensina, Carlos até pouco fala. Geralmente ele apenas termina os raciocínios da sábia e se deita na sombra mansa das ilações. Carece aprender e aprende." pag. 102

"Carlos carecia de reconhecer que no amor, sem sacrifício mútuo não tem felicidade nem paz, não é?" - pag. 117

"Quais seriam as tendências de Laurita? Porém os pais não se preocupavam muito com as predisposições, ponhamos, artísticas da outra filha. São sempre assim os pais: quando as esperanças se projetam sobre um filho, o resto são sombras mal reparadas. Que vivam, e Deus os abençoe! Amém." - pag. 118

"Ponhamos Carlos de lado, o caso dele é mais particular. Está contente porque Fräulein está contente. O alegra estar junto da amante, só isso. E amor satisfeito, entenda-se, senão dava em poeta brasileiro." - pag. 119

"À sombra do sabugueiro / Sentávamos de mãos dadas, / Éramos no mês de maio / As criaturas mais felizes deste mundo" - pag. 141

domingo, 8 de setembro de 2013

Hermann Hesse e Thomas Man


"O Jodl", diz Müllner, "imagine, O Jodl acredita mesmo que Deus não existe. E eu, eu não acredito nem mesmo nisso!"
- That's exactly my point of view!

Retirado do livro Correspondência Entre Amigos, de Hermann Hesse e Thomas Man

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Citações: O Complexo de Portnoy - Philip Roth

Não vou escrever resenha sobre este livro, mas deixo aqui uma resenha muito boa publicada no Gazeta do Povo e outra no blog Livros Abertos de Camila Kehl.
A edição que eu tenho.
Faz parte da coleção Grandes Sucessos
(amo essa coleção)

"Eles adoram um judeu, sabe, Alex? Toda essa grande religião deles baseia-se na adoração de alguém que na época era reconhecidamente judeu. Agora, que me diz dessa estupidez? Que me diz dessa maneira de jogar areia nos olhos do público? Jesus Cristo, que eles vivem por aí dizendo a todos que era Deus, era na verdade um judeu! E a esse fato, que absolutamente me estarrece quando penso nele, ninguém dá a menor atenção. Que ele era um judeu, como você e eu, que pegaram um judeu e transformaram-no numa espécie de deus depois de morto, depois - e é isso que põe a gente inteiramente doido -, depois os sórdidos miseráveis se voltam; e quem são os primeiros a serem perseguidos na sua lista? A quem, durante dois mil anos, jamais deixaram de assassinar e odiar? Aos judeus! Que, para início de conversa, lhe tinham dado o seu amado Jesus! Garanto-lhe, Alex, que na sua vida inteira você nunca conhecerá uma mistura de porcarias e de tolices asquerosas comparável à religião cristã. E é nisso que acreditam esses assim chamados figurões!"
37

...para infringir a lei, tudo o que se te a fazer é tocar para a frente! Tudo o que se tem a fazer é deixar de tremer e de achar a coisa inimaginável a além das nossas possibilidades: tudo o que se tem a fazer é fazê-lo!
67
A capa que faz mais sentido - amei essa capa

Pregado por cima da pia dos Girardi, há um quadro com Jesus Cristo subindo ao céu numa túnica cor de rosa. Quão asquerosos chegam a ser os seres humanos! Desprezo os judeus pela sua estreiteza de ideias, sua ostentação de virtude, o sentido incrivelmente bizarro que estes homens das cavernas que são os meus pais e parentes têm às vezes da sua superioridade - mas quando se trata de espalhafato e vulgaridade, de crenças que envergonhariam até mesmo um gorila, é realmente impossível superar os goyim. Que espécie de palermas desprezíveis e desmiolados são essa gente para adorar alguém que, primeiro, nunca existiu, e segundo, se existisse, com a aparência que tem no quadro, seria, sem dúvida, o Maricas da Palestina. Num corte de cabelo pajem, uma cútis Palmolive e usando uma túnica que hoje verifico deve ter vindo do Frederick de Hollywood!
135

"Quando tais homens amam, não experimentam desejo, e quando experimentam desejo, não conseguem amar".
149

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Fuga - Fernando Sabino


Mal o pai colocou o papel na máquina, o menino começou a empurrar uma cadeira pela sala, fazendo um barulho infernal.

- Pára com esse barulho, meu filho – falou, sem se voltar.

Com três anos já sabia reagir como homem ao impacto das grandes injustiças paternas: não estava fazendo barulho, estava só empurrando uma cadeira.

- Pois então pára de empurrar a cadeira.
- Eu vou embora – foi a resposta.

Distraído, o pai não reparou que ele juntava ação às palavras, no ato de juntar do chão suas coisinhas, enrolando-as num pedaço de pano. Era a sua bagagem: um caminhão de plástico com apenas três rodas, um resto de biscoito, uma chave (onde diabo meteram a chave da dispensa? – a mãe mais tarde irá dizer), metade de uma tesourinha enferrujada, sua única arma para a grande aventura, um botão amarrado num barbante.

A calma que baixou então na sala era vagamente inquietante. De repente, o pai olhou ao redor e não viu o menino. Deu com a porta da rua aberta, correu até o portão:

- Viu um menino saindo desta casa? – gritou para o operário que descansava diante da obra do outro lado da rua, sentado no meio-fio.

- Saiu agora mesmo com uma trouxinha – informou ele.

Correu até a esquina e teve tempo de vê-lo ao longe, caminhando cabisbaixo ao longo do muro. A trouxa, arrastada no chão, ia deixando pelo caminho alguns de seus pertences: o botão, o pedaço de biscoito e – saíra de casa prevenido – uma moeda de 1 cruzeiro. Camou-o, mas ele apertou o passinho, abriu a correr em direção à Avenida, como disposto a atirar-se diante do ônibus que surgia a distância.

- Meu filho, cuidado!

O ônibus deu uma freada brusca, uma guinada para a esquerda, os pneus cantaram no asfalto. O menino, assustado, arrepiou carreira. O pai precipitou-se e o arrebanhou com o braço como a um animalzinho:

- Que susto que você me passou meu filho – a apertava-o contra o peito, comovido.
- Deixa eu descer, papai. Você está me machucando.

Irresoluto, o pai pensava agora se não seria o caso de lhe dar umas palmadas:

- Machucando, é? Fazer uma coisa dessas com seu pai.
- Me larga. Eu quero ir embora.

Trouxe-o para casa e o largou novamente na sala – tendo antes o cuidado de fechar a porta da rua e retirar a chave, como ele fizera com a da dispensa.

- Fique aí quietinho, está ouvindo? Papai está trabalhando.
- Fico, mas vou empurrar esta cadeira.

E o barulho recomeçou.


terça-feira, 25 de junho de 2013

Blade Runner no tempo e no espaço de Los Angeles


Uma pequena homenagem, já que o lançamento do filme foi há exatamente 31 anos atrás. 
Um dos filmes que marcou a minha vida no mundo do cinema.


domingo, 16 de junho de 2013

Dançando com Shirley MacLaine

Dançando na Luz (Dancing in the Light) não é um livro para qualquer pessoa. "É compreensível que leiam com ceticismo o que acabei de contar", é o que diz a primeira frase do epílogo.

Eu sei que eu deveria ter esperado a enquete terminar e ver o resultado, mas não resisti -.-

Dançando na Luz conta a história de Shirley MacLaine após seu aniversário de 50 anos de idade. (Hoje ela tem 79 anos). Mas é uma história muito envolvente, cheia de coisas misteriosas, coisas maravilhosas e também coisas atordoadas. Seu relacionamento com a filha Sachi, com os pais, com o ex. Mas o que mais se mostra nesse livro é a sua relação com a espiritualidade.

Shirley MacLaine nasceu na Virgínia. Começou sua carreira na Broadway como cantora e dançarina e depois passou para o cinema atuando em filmes e na televisão. Viajou muito pelo mundo tendo várias experiências interessantes. Shirley é estrela dos Estados Unidos admirada no munto inteiro.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Artigo de Opinião - Espiral do Silêncio, medo do isolamento e Facebook

Espiral do silêncio é uma teoria bem pensada da filósofa e socióloga alemã Elisabeth Noelle-Neumann para explicar o por quê de algumas pessoas permaneceram silenciosas por acharem que, expressando suas opiniões, fique isolado da sociedade, por achar que é minoria. Geralmente, esse receio faz sentido, já que, expressar sua opinião trará, provavelmente, o comportamento negativo das pessoas. Ou seja, o indivíduo se auto-censura, se priva de proporcionar uma outra reflexão sobre determinado assunto.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Rascunhos de Pensamentos, de Eduardo Garcia

Um pedaço de papel qualquer,
uma mesa de bar.
Ao relento, pensamento vão,
nem sempre atento, os leva o vento.
Tento ordená-los, porém o vendaval
de sonhos os transforma em surreal.
Serena de ideias, orvalho de sentimentos,
sutileza do subconsciente
de aceitar o esquecimento.

Livro: Derramando Versos
Autor: Luis Eduardo Garcia Aguiar
Valor: R$20,00
Onde comprar: Editora Babecco

sábado, 4 de maio de 2013

Arte e Artifício



O que é arte?

Como se tem definido arte?

Arte é tudo o que demanda criatividade na produção do belo, do que produz prazer aos nossos sentidos. Não quero entrar na questão ética de prazeres imorais. E o que é criatividade, e para que serve?

Criatividade advém de uma necessidade, e necessidade, de uma urgência. Urgência incita decisão e iniciativa e, por fim, atividade criativa.

Dessa urgência emergem tanto as invenções da humanidade em geral, como também as obras de arte. As obras de arte, podemos dizer, surgiram para suprir uma necessidade. A necessidade de bem estar e de comunicação, uma forma de comunicação e também, em certo sentido, como forma de preencher o vazio. Sim, vazio, porque a mente humana detesta espaços vazios, tempos vazios, espaços em branco etc, enfim, a mente humana necessita de sentido. Comunicação porque os homens precisam de algo com que se comunicar, com os Deuses ou com os próprios homens. Depois a arte se sofisticou e passou a ser também uma forma, uma maneira de ostentação de poder e riqueza. Aliás poder, juntamente com misticismo, eram atributos necessários aos intermediários entre os Deuses e os homens, para que se fizesses mais críveis e, portanto, mais poderosos. Da arte, na forma de símbolos, desenhos, pinturas etc. se utilizam para dar forma ao seu poderio, justificar seus atos e manter seu status quo.

É de se notar que, antes de a humanidade se tornar tão laica, científica e tecnológica, prática e consumista (não estou falando, naturalmente, da idade da pedra), que os objetos de uso prático eram acompanhadas de alguma espécie de ornamento. E esses ornamentos refletiam as crenças, mitologias, estórias ou as formas da natureza. Estas eram mais admiradas do que hoje são. Para tanto eram necessários que artesãos, artistas, pessoas mais habilidosas e disponíveis para exercerem essa tarefa, passassem a aprimorar suas ferramentas e suas técnicas de trabalho. E isso resultou no desenvolvimento de todos os tipos do que hoje chamamos de arte: desenho, pintura, escultura, teatro, e mais recentemente, fotografia, cinema, etc.

A arte é útil e necessária ao nosso bem estar, nosso bem viver, harmonia com os homens, os Deuses e a mãe natureza. A arte é um atifício humano para o bem viver. Para nos dar utilidades e prazer. E a estética (ou seja, o estudo, ciência ou filosofia que se debruça sobre o que agrada (dá prazer) aos nossos sentidos) procura dizer o que pode ou não pode ser considerado arte, ou seja o que produz ou não esse prazer, estético.

Por Cleator Draden

quarta-feira, 27 de março de 2013

Saudade


Saudade dói.
Proferir a palavra já é um ato doloroso,
Pois ela encerra toda a dor pungente, 
Que marca e fere sem palavras.

Saudade machuca.
Senti-la é morrer em silêncio,
Chorosamente, lágrimas que teimam em cair.

Saudade condena.
Um inferno de pensamentos,
Caleidoscópio de lembranças
Que aguilhoam a memória do coração.

Saudade.
Não posso mais ouvi-la!
Muda esta expressão de horror!
Horroriza esta expressão muda.

Saudade.
Calo-me.
Teus gritos me ensurdecem.

Agatha Christie

terça-feira, 19 de março de 2013

A Megera Domada - William Shakespeare

Conta a história de Catarina, uma mulher que não pretende se submeter aos homens em função do casamento. Com sua língua ferina, afasta todos os pretendentes, deixando desesperada sua irmã Bianca que precisa esperar a a irmã se casar para poder também escolher um pretendente. Até que surge Petrucchio, um grosseirão disposto a tudo para conquistar o dote de Catarina. Cheia de reviravoltas, a peça discute amor e casamento, tornando a obra atual até hoje.


Nunca pensei em ler uma peça, porque não gosto de ler diálogos. No começo achei chato e abandonei a leitura (isso há 2 anos mais ou menos), e retomei este ano e vi que estava errada. Foi muito gostoso ler os diálogos, as personalidades, as confusões e a malandragem de alguns personagens. A Megera Domada é uma comédia que não se pode deixar passar. Tem seu valor porque trata de algumas questões de época, mas também muito atuais nos dias de hoje. O feminismo e o machismo estão intrínsecos nesta obra de William Shakespeare. A obra foi adaptada de uma antiga comédia de autor desconhecido. Alguns críticos afirmam que Shakespeare teve um colaborador na elaboração deste seu trabalho teatral. A peça já começa com muito humor: A introdução se passa numa taverna. Um nobre passa por um bar e vê um bêbado dormindo no chão. O nobre leva o bêbado (que se chama Sly) para a sua mansão e trama junto com seus criados, de fazer o bêbado a acreditar que é da nobreza e que dormiu por 15 anos! O vestem com roupas chiques e o leva ao teatro para assistir “A Megera Domada”. 

Personagens: um nobre, Cristóvão Sly (caldeireiro), hoteleira, pajem, atores, caçadores e criados, Batista (rico gentil-homem de Pádua), Vicêncio (velho gentil-homem de Pisa) Lucêncio - filho de Vicêncio, apaixonado de Bianca, Petrucchio - gentil-homem de Verona, pretendente de Catarina, Grêmio, Hortêncio, Trânio, Biondello, Grúmio, Curtis, um professor (preparado para fazer o papel de Vicêncio), Catarina (a megera), Bianca, Viúva, alfaiate, logista e criados (a serviço de Batista e de Petrucchio).


A Megera Domada conta a história da luta pela mão de Bianca, uma jovem bonita e delicada, que é cobiçada pelos homens da cidade. Mas Batista, seu pai, impôs que Bianca só se casaria se, sua irmã Catarina, se casasse primeiro pois ela é mais velha. Mas nenhum homem quer Catarina porque ela é grossa, osso duro de roer e chamada de "louca varrida". Sim, a própria megera!
Chega Petrucchio na cidade, ele será o pretendente de Catarina. Ele está além da grosseria de Catarina, e vai oferecer de tudo para que Batista aceite o casamento entre os dois, mesmo sendo contra a decisão da megera. 
Essa trama vai desenrolar com trocas de personagens: Trânio se veste de Lucêncio e Lucêncio de Trânio, só para que Lucêncio conquiste o coração de Bianca, e levar vantagem em relação aos outros pretendentes. Já que Batista tinha sua preferência e é persuadido a entregar a filha ao pretendente mais rico.

O desenvolvimento do enredo é repleto de bom humor, ambição e trapaças. O fechamento é o melhor de todos e é o que dá nome à obra. A crítica, feita por Shakespeare, se tornou muito acentuosa neste ponto:

SPOILER: Na festa do casamento de Bianca, os homens se juntam todos e fazem uma aposta para testar a obediência das mulheres e é aí que Catarina se revela, como uma esposa subserviente e humilde, enquanto Bianca não atende o chamado do marido. Petrucchio ganha a aposta. A megera foi domada.

Onde ler: Ebook (pdf), PDF (sem numeração de página), UFRGS (formato interessante)



Série animada adaptada por Leon Garfield: Parte 1, Parte 2, Parte 3:




Escrito originalmente em 16/02/13

sexta-feira, 15 de março de 2013

O Papel de Cecília Villanova

O PAPEL

Olhei-o de uma só vez, 
Lá estava ele, branquinho...
Atirei-lhe os sentimentos,
Tornei-o vivo.
Já não era vazio.
Enchia-me os olhos--
Lá estava o pensamento.
Seu papel, seu destino,
Fôra para sempre destinado
Com um poema carimbado.

domingo, 10 de março de 2013

Conto: Porcelana - Agatha Christie


Era tudo muito simples. Estava então cansada de ter tais expectativas, pois ela sabia que ele não viria mais. Seu olhar foi de dúvida a contemplação e no fim atingiu em cheio o homem que tomava seu depoimento.
O delegado, interessado no que ouvia procurou manter seu olhar firme na depoente.

- E depois daquela conversa, a senhora nunca mais o viu?
- Não. Não achei conveniente. - Respondeu ela sem mostrar dúvida alguma desta vez.
- A senhora sabe se seu ex-marido tinha algum inimigo ou desafeto?
- Além de mim? - Riu-se ela. - Não. Não que eu soubesse. - Completou ao ver o rosto sério do delegado.

O delegado apoiou os braços sobre a mesa e uniu as mãos em atitude apaziguadora.

- Espero que a senhora possa entender a razão de estar aqui...
- Entendi sim, delegado. - Interrompeu-lhe brusca e inadvertidamente. - Meu ex-marido está desaparecido e não é segredo para ninguém que não nos dávamos bem, apesar de eu querer uma reconciliação, mas ele insistiu com aquela vagabunda! Destruiu minha vida, meu amor próprio desfilando com ela em frente à nossa casa para todos verem! A casa que nós dois construímos juntos! O senhor é que não pode entender a razão de eu estar aqui... - Neste momento, as lágrimas rolaram densas, enevoando os olhos amendoados.

O que se podia fazer? Ele, um homem da lei, só podia solicitar um copo d'água com açúcar e esperar que a dona se acalmasse. Até ali não tinha olhado bem ela. A bem da verdade, nela não tinha muito que se olhar. uma dona de casa chegando aos quarenta não muito conservada, daquelas com cheiro de alho e cebola nas mãos e nas roupas, manchas brancas de desinfetante. As dela, até que estavam bem manchadas, como se ela tivesse compulsão pela limpeza. Muitas mulheres desenvolviam diversos transtornos mentais depois de serem abandonadas pelo companheiro de décadas, a quem eram devotadas toda a vida...

- O senhor sabe que tipo de bodas íamos fazer ano passado? - Perguntou ela de repente. - É claro que não sabe... eram bodas de porcelana... vinte anos... vinte anos da minha vida dediquei a ele... vinte anos. A porcelana quebra tão fácil, não é delegado? Eu tinha comprado um jogo de jantar de porcelana para comemorarmos... mas aquela lambisgóia estragou tudo! O senhor vê o que ela fez? Vê o que aconteceu comigo?
- Senhora, eu sinto muito pelo seu sofrimento, mas precisamos esclarecer este mistério! Seu marido está desaparecido há um mês e estamos sem pista alguma do paradeiro dele... a polícia...
- Por que não pergunta a vagabunda que vive com ele? Por que me atazanam com esse assunto? O senhor não entende? ELE NÃO É MAIS MEU... ELE É DELA AGORA!
- A senhora não sabe que ela também está desaparecida? - A mulher pareceu voltar à realidade.
- Ela também... oh! Eu não sabia! Por tantas vezes eu desejei a morte dela... e agora isso...
- É, senhora. Se o seu desejo se realizou, não sabemos, mas é fato que com ela sumiu todo o dinheiro do seu marido... já faz uma semana.
- Deus! Mas, então... - A mulher enfim, estava compreendendo porque estava ali. O delegado suspirou aliviado.
- Se a senhora puder ajudar com qualquer informação sobre a foragida... 
- Eu... eu não posso... desculpe... - E foi levantando-se, tropeçando nas pernas, chegando à porta balbuciando que não podia mais e sem mais partira. O delegado ainda pensou em detê-la, mas desistiu de atormentar ainda mais a pobre diaba.

A pobre diaba, agora, na rua, tentando enxugar as lágrimas, tentava se acalmar. Jurou não mais chorar.  Afinal de contas não tinha com o que se preocupar. Ele não estava desaparecido. Não! Ele havia voltado para ela! E mesmo que dissessem que ela estava louca, ela voltava para casa agora, para ele!
Aquela vagabunda não ia destruir seu casamento de novo, não mesmo! Ela sumira! Estava longe, bem longe deles e agora ela iria finalmente pôr a louça nova para o jantar...
Ah! Sua casa! A mais bonita da rua, mas o jardim estava tão descuidado... um ano sem que ela cuidasse dele. passou a mão pelos cabelos despenteados. Ela estava tão mal quanto o jardim. Um ano.
Atravessou o portão, com coragem para derrubar um muro. Abriu a porta e deparou com a casa... vazia. Sorriu, pois mesmo vazia, era a sua casa. Mesmo vazia, era ela mesmo. Subiu as escadas, tomou um bom banho, vestiu-se a contento, arrumou os cabelos. Era hora de esvaziar-se mais ainda das lembranças. Ele não a esperava na sala, mas ele iria chegar, ela sabia! A outra não existia mais, sumira! E agora, ele ia precisar dela, ah sim, ia!
Desceu, preparou o jantar, mas não encontrou o seu jogo de porcelana. Uma pena; ele se quebrara. Era tão bonito. Mas ela não estava falando de seu casamento... era da louça. Uma febre começou a queimá-la intensamente, dirigiu-se às escadas, mas não tinha nada a fazer lá em cima. De súbito, lembrou-se do jogo de louça. Ah, como poderia esquecer? Ela o havia guardado no closet embaixo da escada. Pegou a chave e abriu a porta. A princípio não entendeu muito bem a bagunça que via. Entrou, acendeu a luz e sorriu para a tétrica figura jogada a um canto, encolhida.

- Oi, amor! Desculpe se me atrasei, foram muitas perguntas que o delegado fez... oh.... não se assuste! Já vou limpar este sangue do seu rosto. Não devia ter batido tão forte, mas você não queria ficar quieto... e mais um pouco e o policial ia acabar te escutando, não é?

O homem gemia desesperadamente, mas a fita grudada em seus lábios não ajudava muito o seu pedido de socorro. Nem as mãos e pés atados. Como sobrevivera  tanto tempo assim?

- Sabe que estão te procurando? Pois é! Eles não acreditam que você voltou pra mim... acham que estou louca, mas não estou... não estou... - A febre aumentava e quando ia saindo, lembrou-se de algo importante. - Já ia me esquecendo... ela te incomodou muito? Não se preocupe, amanhã me livro dela e aí seremos só nós dois de novo... pena ela ter feita eu quebrar nosso jogo novo de porcelana, não é?

A mulher deu um leve chute no cadáver que jazia aos seus pés, dilacerado por cortes finos e profundos e, em algumas partes daquele corpo sem vida, jaziam pedaços de porcelana cravados, como se fossem lápides em túmulos.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Brassaï, "O Olho de Paris"



Brassaï registrou Paris de forma irreverente. A noite parisiense exerceu um enorme fascínio sobre ele, que não cansou de fotografá-la.

Artista de origem húngara, Brassaï adotou Paris após a Primeira Guerra Mundial e se transformou em um de seus fotógrafos mais consagrados. Ele, cujo nome de batismo é Gyula Halász, foi membro da elite cultural de Paris, estando Miller, Picasso, Sartre, Camus e Cocteau, entre seus amigos.

Histórico

Nascido como Julius Halasz em 1899, em Brasso, na Transilvânia (parte da Romênia que estava sob o domínio austro-húngaro), Brassaï, pseudônimo que utilizava como estandarte, sonhava com a França, por seu idioma e pela cultura que seu pai, professor de francês na universidade, relatava.

Conheceu Paris quando tinha 4 anos e prometeu voltar para lá para estudar, mas a chegada da primeira Guerra Mundial interrompe o seu sonho. Após servir no exército austro-húngaro, ele, como todos os cidadãos de países inimigos, foram proibidos de morar na França. Em 1921, vai para Budapeste, onde passa a frequentar a Academia de Belas Artes e estuda desenho, pintura e escultura. Não demorou muito para que Brassaï se tornasse popular devido à sua curiosidade e senso de amizade. Entre seus amigos, estavam artistas de vanguarda como Kandinsky, Kokoschka, Moholy-Nagy, além de músicos reconhecidos como Verese e aquele que fora seu melhor amigo, o pintor húngaro Lajos Tihany.

Chega à França em 1924 acreditando que seus talentos serão desenvolvidos em Paris. Para resolver os problemas financeiros, faz charges para jornais franceses e alemães, além de enviar com frequência para revistas húngaras, austríacas ou romenas colunas sobre assuntos como críticas de exposições, análises de concertos, artigos sobre o Salão da Agricultura, entre outros.


Contudo, os redatores-chefes de jornais para os quais Brassaï colabora começam a fazer pedidos para que ele acrescente fotografias às suas crônicas. Então ele começa a pedir aos seus amigos fotógrafos que colaborem com ele antes mesmo que ele enveredasse pela fotografia. As primeiras imagens feitas por Brassaï foram realizadas em 1929, quando o artista percebe que esta mídia permite expressar emoções estéticas que ele não atingiria através da figura. Foi com uma máquina emprestada e, pouco depois, o fotógrafo adquiriu a sua famosa Voightlander, a câmara fotográfica que o acompanharia por muitos anos.

Brassaï então passa a desenvolver um gosto pelo estranho, pelo diferente e pela vida noturna que resultou o livro Paris de Nuit. Lança o livro com suas 64 fotografias em 1932 e logo torna-se uma verdadeira revelação, colocando-o em contato com revistas de arte e publicações de renome internacional. Passa a publicar regularmente no Minotaurem, onde a série sobre as madréporas e as esculturas involuntárias lhe valem a admiração de Salvador Dalí e André Breton. 

Mesmo que sua vida tenha se estirado ao longo de suas publicações, Brassaï tinha consciência da obra imensa que realizou. Henry Miller, que o apelidara de “O olho de Paris”, resumia assim seu amigo: “Bastavam poucas horas ao lado dela para ter a impressão de estar sendo levado para uma grande peneira que guarda um pouco de tudo o que contribui para exaltar a vida”.
Imagem fortemente influenciada pelo envolvimento de Brassaï com o surrealismo

Cigarro desleixadamente entre os lábios, notívago, boêmio, jornalista. Irrequieto, viveu intensamente todas as possibilidades culturais do início do século XX, mas foi como fotógrafo que escreveu seu nome na galeria dos mais influentes artistas de toda a História.

Foi tomando gosto pela arte e fotografava, primeiramente, objetos. Improvisou um darkroom no quarto do hotel onde vivia e começou a “brincar” com a novidade. Já como Brassaï, publicou Paris à Noite, antes de retratar os costumes de uma Paris em declínio e seus personagens – prostitutas, guardas noturnos, bêbados, namorados – o que resultou no trabalho A Paris secreta dos anos 30. Conheceu Pablo Picasso, recebeu convite para fotografar suas esculturas e se envolveu com o movimento surrealista ao colaborar com o jornal Minotaure, com imagens de grafites em muros (A linguagem dos muros).

O húngaro fotografando Picasso…
Somente nos 50 é que o húngaro foi conhecer os Estados Unidos, onde realizou uma série de fotos – coloridas – na Louisiana. Foi nesse período que conheceu dois outros ícones da fotografia: Robert Frank e Walker Evans. Nos anos 60, como reconhecimento ao seu trabalho, “ganhou” uma exposição retrospectiva no Moma nova-iorquino.

Mas nem só de fotografia sua inquietude se ocuparia. Sua versatilidade cultural ainda o permitira incursões no cinema, tapeçaria, grafite, desenhos, esculturas, livros – isso graças aos ambientes frequentados (especialmente o bairro de Montparnasse), onde conheceu e se cercou de muitos artistas das mais diversificadas áreas, da fotografia à literatura. Um artista antenado com os movimentos contemporâneos a ele, que, seguramente, se fosse ainda vivo – Brassaï morreu em Nice, no ano de 1984 – estaria conectado com todas as novas linguagens de expressão que o século XXI nos oferece. Um verdadeiro multimídia.


…e Dali (com Gala), com direito a sua imagem refletida

Com o fotógrafo, é possível perambular por Montparnasse, Les Halles, pelo canal de L’Ourcq, canal Saint-Martin, Place d’Italie, Belleville. Penetrar nos cafés e conhecer de perto figuras pitorescas da noite parisiense. Observar a solidão de prostitutas que esperam por clientes sozinhas nas ruas. Conhecer ângulos inusitados da bela cidade, descobrindo o traçado artístico presente até em tampas de bueiros. Brassaï transcende o real com tons surrealistas. Revela aos observadores uma Paris até então desconhecida, desprezada. Dá visibilidade a senhoritas de vida fácil, jovens delinqüentes, trabalhadores noturnos. Privilegia lugares até o momento ignorados pela sociedade, como a casa da Madame Suzy, com seus ritos, grandes figuras e o perfume de proibição, bares freqüentados por transexuais, cafés que recebem intelectuais e artistas e muito mais.

Brassaï escreveu 17 livros e numerosos artigos, incluindo Histoire de Marie, que tem introdução de seu grande amigo, Henry Miller, e Conversas com Picasso (1965), outro grande amigo, livro que foi traduzido para 12 idiomas. Brassaï abandona a fotografia em 1961, depois da morte de Carmel Snow, editor da revista Harper's Bazaar. Em 1970, recebeu o prêmio nacional da França por sua contribuição artística e especialmente por sua fotografia. Faleceu em 1984, em Nice, na França.

Para ler: