quarta-feira, 27 de março de 2013

Saudade


Saudade dói.
Proferir a palavra já é um ato doloroso,
Pois ela encerra toda a dor pungente, 
Que marca e fere sem palavras.

Saudade machuca.
Senti-la é morrer em silêncio,
Chorosamente, lágrimas que teimam em cair.

Saudade condena.
Um inferno de pensamentos,
Caleidoscópio de lembranças
Que aguilhoam a memória do coração.

Saudade.
Não posso mais ouvi-la!
Muda esta expressão de horror!
Horroriza esta expressão muda.

Saudade.
Calo-me.
Teus gritos me ensurdecem.

Agatha Christie

terça-feira, 19 de março de 2013

A Megera Domada - William Shakespeare

Conta a história de Catarina, uma mulher que não pretende se submeter aos homens em função do casamento. Com sua língua ferina, afasta todos os pretendentes, deixando desesperada sua irmã Bianca que precisa esperar a a irmã se casar para poder também escolher um pretendente. Até que surge Petrucchio, um grosseirão disposto a tudo para conquistar o dote de Catarina. Cheia de reviravoltas, a peça discute amor e casamento, tornando a obra atual até hoje.


Nunca pensei em ler uma peça, porque não gosto de ler diálogos. No começo achei chato e abandonei a leitura (isso há 2 anos mais ou menos), e retomei este ano e vi que estava errada. Foi muito gostoso ler os diálogos, as personalidades, as confusões e a malandragem de alguns personagens. A Megera Domada é uma comédia que não se pode deixar passar. Tem seu valor porque trata de algumas questões de época, mas também muito atuais nos dias de hoje. O feminismo e o machismo estão intrínsecos nesta obra de William Shakespeare. A obra foi adaptada de uma antiga comédia de autor desconhecido. Alguns críticos afirmam que Shakespeare teve um colaborador na elaboração deste seu trabalho teatral. A peça já começa com muito humor: A introdução se passa numa taverna. Um nobre passa por um bar e vê um bêbado dormindo no chão. O nobre leva o bêbado (que se chama Sly) para a sua mansão e trama junto com seus criados, de fazer o bêbado a acreditar que é da nobreza e que dormiu por 15 anos! O vestem com roupas chiques e o leva ao teatro para assistir “A Megera Domada”. 

Personagens: um nobre, Cristóvão Sly (caldeireiro), hoteleira, pajem, atores, caçadores e criados, Batista (rico gentil-homem de Pádua), Vicêncio (velho gentil-homem de Pisa) Lucêncio - filho de Vicêncio, apaixonado de Bianca, Petrucchio - gentil-homem de Verona, pretendente de Catarina, Grêmio, Hortêncio, Trânio, Biondello, Grúmio, Curtis, um professor (preparado para fazer o papel de Vicêncio), Catarina (a megera), Bianca, Viúva, alfaiate, logista e criados (a serviço de Batista e de Petrucchio).


A Megera Domada conta a história da luta pela mão de Bianca, uma jovem bonita e delicada, que é cobiçada pelos homens da cidade. Mas Batista, seu pai, impôs que Bianca só se casaria se, sua irmã Catarina, se casasse primeiro pois ela é mais velha. Mas nenhum homem quer Catarina porque ela é grossa, osso duro de roer e chamada de "louca varrida". Sim, a própria megera!
Chega Petrucchio na cidade, ele será o pretendente de Catarina. Ele está além da grosseria de Catarina, e vai oferecer de tudo para que Batista aceite o casamento entre os dois, mesmo sendo contra a decisão da megera. 
Essa trama vai desenrolar com trocas de personagens: Trânio se veste de Lucêncio e Lucêncio de Trânio, só para que Lucêncio conquiste o coração de Bianca, e levar vantagem em relação aos outros pretendentes. Já que Batista tinha sua preferência e é persuadido a entregar a filha ao pretendente mais rico.

O desenvolvimento do enredo é repleto de bom humor, ambição e trapaças. O fechamento é o melhor de todos e é o que dá nome à obra. A crítica, feita por Shakespeare, se tornou muito acentuosa neste ponto:

SPOILER: Na festa do casamento de Bianca, os homens se juntam todos e fazem uma aposta para testar a obediência das mulheres e é aí que Catarina se revela, como uma esposa subserviente e humilde, enquanto Bianca não atende o chamado do marido. Petrucchio ganha a aposta. A megera foi domada.

Onde ler: Ebook (pdf), PDF (sem numeração de página), UFRGS (formato interessante)



Série animada adaptada por Leon Garfield: Parte 1, Parte 2, Parte 3:




Escrito originalmente em 16/02/13

sexta-feira, 15 de março de 2013

O Papel de Cecília Villanova

O PAPEL

Olhei-o de uma só vez, 
Lá estava ele, branquinho...
Atirei-lhe os sentimentos,
Tornei-o vivo.
Já não era vazio.
Enchia-me os olhos--
Lá estava o pensamento.
Seu papel, seu destino,
Fôra para sempre destinado
Com um poema carimbado.

domingo, 10 de março de 2013

Conto: Porcelana - Agatha Christie


Era tudo muito simples. Estava então cansada de ter tais expectativas, pois ela sabia que ele não viria mais. Seu olhar foi de dúvida a contemplação e no fim atingiu em cheio o homem que tomava seu depoimento.
O delegado, interessado no que ouvia procurou manter seu olhar firme na depoente.

- E depois daquela conversa, a senhora nunca mais o viu?
- Não. Não achei conveniente. - Respondeu ela sem mostrar dúvida alguma desta vez.
- A senhora sabe se seu ex-marido tinha algum inimigo ou desafeto?
- Além de mim? - Riu-se ela. - Não. Não que eu soubesse. - Completou ao ver o rosto sério do delegado.

O delegado apoiou os braços sobre a mesa e uniu as mãos em atitude apaziguadora.

- Espero que a senhora possa entender a razão de estar aqui...
- Entendi sim, delegado. - Interrompeu-lhe brusca e inadvertidamente. - Meu ex-marido está desaparecido e não é segredo para ninguém que não nos dávamos bem, apesar de eu querer uma reconciliação, mas ele insistiu com aquela vagabunda! Destruiu minha vida, meu amor próprio desfilando com ela em frente à nossa casa para todos verem! A casa que nós dois construímos juntos! O senhor é que não pode entender a razão de eu estar aqui... - Neste momento, as lágrimas rolaram densas, enevoando os olhos amendoados.

O que se podia fazer? Ele, um homem da lei, só podia solicitar um copo d'água com açúcar e esperar que a dona se acalmasse. Até ali não tinha olhado bem ela. A bem da verdade, nela não tinha muito que se olhar. uma dona de casa chegando aos quarenta não muito conservada, daquelas com cheiro de alho e cebola nas mãos e nas roupas, manchas brancas de desinfetante. As dela, até que estavam bem manchadas, como se ela tivesse compulsão pela limpeza. Muitas mulheres desenvolviam diversos transtornos mentais depois de serem abandonadas pelo companheiro de décadas, a quem eram devotadas toda a vida...

- O senhor sabe que tipo de bodas íamos fazer ano passado? - Perguntou ela de repente. - É claro que não sabe... eram bodas de porcelana... vinte anos... vinte anos da minha vida dediquei a ele... vinte anos. A porcelana quebra tão fácil, não é delegado? Eu tinha comprado um jogo de jantar de porcelana para comemorarmos... mas aquela lambisgóia estragou tudo! O senhor vê o que ela fez? Vê o que aconteceu comigo?
- Senhora, eu sinto muito pelo seu sofrimento, mas precisamos esclarecer este mistério! Seu marido está desaparecido há um mês e estamos sem pista alguma do paradeiro dele... a polícia...
- Por que não pergunta a vagabunda que vive com ele? Por que me atazanam com esse assunto? O senhor não entende? ELE NÃO É MAIS MEU... ELE É DELA AGORA!
- A senhora não sabe que ela também está desaparecida? - A mulher pareceu voltar à realidade.
- Ela também... oh! Eu não sabia! Por tantas vezes eu desejei a morte dela... e agora isso...
- É, senhora. Se o seu desejo se realizou, não sabemos, mas é fato que com ela sumiu todo o dinheiro do seu marido... já faz uma semana.
- Deus! Mas, então... - A mulher enfim, estava compreendendo porque estava ali. O delegado suspirou aliviado.
- Se a senhora puder ajudar com qualquer informação sobre a foragida... 
- Eu... eu não posso... desculpe... - E foi levantando-se, tropeçando nas pernas, chegando à porta balbuciando que não podia mais e sem mais partira. O delegado ainda pensou em detê-la, mas desistiu de atormentar ainda mais a pobre diaba.

A pobre diaba, agora, na rua, tentando enxugar as lágrimas, tentava se acalmar. Jurou não mais chorar.  Afinal de contas não tinha com o que se preocupar. Ele não estava desaparecido. Não! Ele havia voltado para ela! E mesmo que dissessem que ela estava louca, ela voltava para casa agora, para ele!
Aquela vagabunda não ia destruir seu casamento de novo, não mesmo! Ela sumira! Estava longe, bem longe deles e agora ela iria finalmente pôr a louça nova para o jantar...
Ah! Sua casa! A mais bonita da rua, mas o jardim estava tão descuidado... um ano sem que ela cuidasse dele. passou a mão pelos cabelos despenteados. Ela estava tão mal quanto o jardim. Um ano.
Atravessou o portão, com coragem para derrubar um muro. Abriu a porta e deparou com a casa... vazia. Sorriu, pois mesmo vazia, era a sua casa. Mesmo vazia, era ela mesmo. Subiu as escadas, tomou um bom banho, vestiu-se a contento, arrumou os cabelos. Era hora de esvaziar-se mais ainda das lembranças. Ele não a esperava na sala, mas ele iria chegar, ela sabia! A outra não existia mais, sumira! E agora, ele ia precisar dela, ah sim, ia!
Desceu, preparou o jantar, mas não encontrou o seu jogo de porcelana. Uma pena; ele se quebrara. Era tão bonito. Mas ela não estava falando de seu casamento... era da louça. Uma febre começou a queimá-la intensamente, dirigiu-se às escadas, mas não tinha nada a fazer lá em cima. De súbito, lembrou-se do jogo de louça. Ah, como poderia esquecer? Ela o havia guardado no closet embaixo da escada. Pegou a chave e abriu a porta. A princípio não entendeu muito bem a bagunça que via. Entrou, acendeu a luz e sorriu para a tétrica figura jogada a um canto, encolhida.

- Oi, amor! Desculpe se me atrasei, foram muitas perguntas que o delegado fez... oh.... não se assuste! Já vou limpar este sangue do seu rosto. Não devia ter batido tão forte, mas você não queria ficar quieto... e mais um pouco e o policial ia acabar te escutando, não é?

O homem gemia desesperadamente, mas a fita grudada em seus lábios não ajudava muito o seu pedido de socorro. Nem as mãos e pés atados. Como sobrevivera  tanto tempo assim?

- Sabe que estão te procurando? Pois é! Eles não acreditam que você voltou pra mim... acham que estou louca, mas não estou... não estou... - A febre aumentava e quando ia saindo, lembrou-se de algo importante. - Já ia me esquecendo... ela te incomodou muito? Não se preocupe, amanhã me livro dela e aí seremos só nós dois de novo... pena ela ter feita eu quebrar nosso jogo novo de porcelana, não é?

A mulher deu um leve chute no cadáver que jazia aos seus pés, dilacerado por cortes finos e profundos e, em algumas partes daquele corpo sem vida, jaziam pedaços de porcelana cravados, como se fossem lápides em túmulos.

sexta-feira, 1 de março de 2013

Brassaï, "O Olho de Paris"



Brassaï registrou Paris de forma irreverente. A noite parisiense exerceu um enorme fascínio sobre ele, que não cansou de fotografá-la.

Artista de origem húngara, Brassaï adotou Paris após a Primeira Guerra Mundial e se transformou em um de seus fotógrafos mais consagrados. Ele, cujo nome de batismo é Gyula Halász, foi membro da elite cultural de Paris, estando Miller, Picasso, Sartre, Camus e Cocteau, entre seus amigos.

Histórico

Nascido como Julius Halasz em 1899, em Brasso, na Transilvânia (parte da Romênia que estava sob o domínio austro-húngaro), Brassaï, pseudônimo que utilizava como estandarte, sonhava com a França, por seu idioma e pela cultura que seu pai, professor de francês na universidade, relatava.

Conheceu Paris quando tinha 4 anos e prometeu voltar para lá para estudar, mas a chegada da primeira Guerra Mundial interrompe o seu sonho. Após servir no exército austro-húngaro, ele, como todos os cidadãos de países inimigos, foram proibidos de morar na França. Em 1921, vai para Budapeste, onde passa a frequentar a Academia de Belas Artes e estuda desenho, pintura e escultura. Não demorou muito para que Brassaï se tornasse popular devido à sua curiosidade e senso de amizade. Entre seus amigos, estavam artistas de vanguarda como Kandinsky, Kokoschka, Moholy-Nagy, além de músicos reconhecidos como Verese e aquele que fora seu melhor amigo, o pintor húngaro Lajos Tihany.

Chega à França em 1924 acreditando que seus talentos serão desenvolvidos em Paris. Para resolver os problemas financeiros, faz charges para jornais franceses e alemães, além de enviar com frequência para revistas húngaras, austríacas ou romenas colunas sobre assuntos como críticas de exposições, análises de concertos, artigos sobre o Salão da Agricultura, entre outros.


Contudo, os redatores-chefes de jornais para os quais Brassaï colabora começam a fazer pedidos para que ele acrescente fotografias às suas crônicas. Então ele começa a pedir aos seus amigos fotógrafos que colaborem com ele antes mesmo que ele enveredasse pela fotografia. As primeiras imagens feitas por Brassaï foram realizadas em 1929, quando o artista percebe que esta mídia permite expressar emoções estéticas que ele não atingiria através da figura. Foi com uma máquina emprestada e, pouco depois, o fotógrafo adquiriu a sua famosa Voightlander, a câmara fotográfica que o acompanharia por muitos anos.

Brassaï então passa a desenvolver um gosto pelo estranho, pelo diferente e pela vida noturna que resultou o livro Paris de Nuit. Lança o livro com suas 64 fotografias em 1932 e logo torna-se uma verdadeira revelação, colocando-o em contato com revistas de arte e publicações de renome internacional. Passa a publicar regularmente no Minotaurem, onde a série sobre as madréporas e as esculturas involuntárias lhe valem a admiração de Salvador Dalí e André Breton. 

Mesmo que sua vida tenha se estirado ao longo de suas publicações, Brassaï tinha consciência da obra imensa que realizou. Henry Miller, que o apelidara de “O olho de Paris”, resumia assim seu amigo: “Bastavam poucas horas ao lado dela para ter a impressão de estar sendo levado para uma grande peneira que guarda um pouco de tudo o que contribui para exaltar a vida”.
Imagem fortemente influenciada pelo envolvimento de Brassaï com o surrealismo

Cigarro desleixadamente entre os lábios, notívago, boêmio, jornalista. Irrequieto, viveu intensamente todas as possibilidades culturais do início do século XX, mas foi como fotógrafo que escreveu seu nome na galeria dos mais influentes artistas de toda a História.

Foi tomando gosto pela arte e fotografava, primeiramente, objetos. Improvisou um darkroom no quarto do hotel onde vivia e começou a “brincar” com a novidade. Já como Brassaï, publicou Paris à Noite, antes de retratar os costumes de uma Paris em declínio e seus personagens – prostitutas, guardas noturnos, bêbados, namorados – o que resultou no trabalho A Paris secreta dos anos 30. Conheceu Pablo Picasso, recebeu convite para fotografar suas esculturas e se envolveu com o movimento surrealista ao colaborar com o jornal Minotaure, com imagens de grafites em muros (A linguagem dos muros).

O húngaro fotografando Picasso…
Somente nos 50 é que o húngaro foi conhecer os Estados Unidos, onde realizou uma série de fotos – coloridas – na Louisiana. Foi nesse período que conheceu dois outros ícones da fotografia: Robert Frank e Walker Evans. Nos anos 60, como reconhecimento ao seu trabalho, “ganhou” uma exposição retrospectiva no Moma nova-iorquino.

Mas nem só de fotografia sua inquietude se ocuparia. Sua versatilidade cultural ainda o permitira incursões no cinema, tapeçaria, grafite, desenhos, esculturas, livros – isso graças aos ambientes frequentados (especialmente o bairro de Montparnasse), onde conheceu e se cercou de muitos artistas das mais diversificadas áreas, da fotografia à literatura. Um artista antenado com os movimentos contemporâneos a ele, que, seguramente, se fosse ainda vivo – Brassaï morreu em Nice, no ano de 1984 – estaria conectado com todas as novas linguagens de expressão que o século XXI nos oferece. Um verdadeiro multimídia.


…e Dali (com Gala), com direito a sua imagem refletida

Com o fotógrafo, é possível perambular por Montparnasse, Les Halles, pelo canal de L’Ourcq, canal Saint-Martin, Place d’Italie, Belleville. Penetrar nos cafés e conhecer de perto figuras pitorescas da noite parisiense. Observar a solidão de prostitutas que esperam por clientes sozinhas nas ruas. Conhecer ângulos inusitados da bela cidade, descobrindo o traçado artístico presente até em tampas de bueiros. Brassaï transcende o real com tons surrealistas. Revela aos observadores uma Paris até então desconhecida, desprezada. Dá visibilidade a senhoritas de vida fácil, jovens delinqüentes, trabalhadores noturnos. Privilegia lugares até o momento ignorados pela sociedade, como a casa da Madame Suzy, com seus ritos, grandes figuras e o perfume de proibição, bares freqüentados por transexuais, cafés que recebem intelectuais e artistas e muito mais.

Brassaï escreveu 17 livros e numerosos artigos, incluindo Histoire de Marie, que tem introdução de seu grande amigo, Henry Miller, e Conversas com Picasso (1965), outro grande amigo, livro que foi traduzido para 12 idiomas. Brassaï abandona a fotografia em 1961, depois da morte de Carmel Snow, editor da revista Harper's Bazaar. Em 1970, recebeu o prêmio nacional da França por sua contribuição artística e especialmente por sua fotografia. Faleceu em 1984, em Nice, na França.

Para ler: