sábado, 25 de fevereiro de 2017

Análise do Homem – Erich Fromm (trechos)


Os julgamentos dos valores, que fazemos determinam nossas ações, e na sua validade repousam nossa saúde mental e nossa felicidade. 10

...O “vício”, em última instância, vem a ser indiferença para com o próprio eu e uma automutilação. 17

20-21

 Viver é em si mesmo uma arte.
Na arte de viver, o homem é simultaneamente o artista e o objeto de sua arte: ele é o escultor e o mármore, o médico e o paciente. 26

O dever de estar vivo é o mesmo que o dever de transformar-se em si próprio, isto é, de transformar-se no indivíduo que ele é em potencial. 28

“O homem sábio não pensa na morte mas sim na vida” Spinoza. 46

O homem tem de aceitar a responsabilidade por si próprio e o fato de que só empregando suas forças é que poderá dar um significado à sua vida. 48

Tipos de temperamento – colérico (enfurece facilmente), melancólico (deprimido), sanguíneo (super otimista), fleumático (lento demais). 54

Quando o eu individual é desprezado, as relações entre as pessoas têm por força de tornar-se superficiais, porque não são elas mesmas, mas sim mercadorias intermutáveis que se relacionam. 74

Os alunos têm de aprender tantas coisas que mal lhes restam tempo e energia para pensar. O principal incentivo para querer mais e melhor educação não é o interesse pelos assuntos ensinados ou pelo conhecimento e insight assim adquiridos, mas sim o maior valor de troca assegurado pelos conhecimentos. 75

A infelicidade e a tristeza provam que o homem não sabe viver.

...não é o erro que prejudica o homem, mas sim a inatividade. 89

Ao fim da vida, ele descobre que seu caráter explorador e egoísta impediu-o de chegar a ser ele próprio, que a realização do eu só é possível se a pessoa for produtiva, se ela fizer germinar suas potencialidades individuais. 91 [se refere a “o Homem Moderno à procura de si mesmo” de Peer Gynt – Ibsun]

Ama-se aquilo por que se trabalha, e trabalha-se pelo que se ama. 95

Amar produtivamente uma pessoa significa relacionar-se com sua essência humana, com o que nela representa a humanidade. 97

Não é possível respeitar alguém sem o conhecer; o desvelo e a responsabilidade seriam cegos se não fossem orientados pelo conhecimento da individualidade da pessoa. 97

A inteligência é o instrumento do homem para alcançar objetivos práticos com a finalidade de descobrir os aspectos das coisas cujo conhecimento é indispensável para que possa manuseá-las. 97

Só podemos ser objetivos se respeitarmos as coisas que observamos; ou seja, se formos capazes de vê-las em sua singularidade e em sua interconexão. 99

...a objetividade impõe que se veja o objeto como é. 100

Trabalho, amor e pensamento produtivos só são possíveis se a pessoa pode ficar, quando necessário, quieta e a sós consigo mesma. Ser capaz de escutar a si mesmo é uma condição prévia para a capacidade de escutar os outros; ficar à vontade consigo mesmo é a condição indispensável para poder relacionar-se com os outros. 102

A afirmação da própria vida, felicidade, crescimento, liberdade do indivíduo, origina-se de sua capacidade de amar...
Se um indivíduo é capaz de amar produtivamente, ele também ama a si mesmo; se só pode amar a outros, é porque não pode de fato amar. 122

...nada existe mais propício a dar à criança a experiência do que são alegria, amor e felicidade do que ser amada pela mãe que ama a si mesma. 124

O interesse próprio deixou de ser determinado pela natureza do homem e por suas necessidades... 125

“Agirei de acordo com a minha consciência” 131
Se não existisse a consciência, a raça humana há muito tempo teria ficado atolada em seu atribulado caminho. 132

Um aspecto particularmente saliente da singularidade da autoridade é o privilégio dela ser a única que não obedece à vontade de outrem, mas sim quem quer, que não é um meio porém um fim em si mesma; que cria e não é criada. Na orientação autoritária, o poder de querer e criar é privilégio da autoridade. Os subordinados são meios para os seus fins e, consequentemente, propriedade sua e que são usados tendo em vista seus próprios propósitos. A supremacia da autoridade é posta em dúvida quando a criatura tenta deixar de ser uma coisa para tornar-se um criador. 138

[INTERESSE PRÓPRIO – VALORES (EU) X INTERESSE PRÓPRIO – SUCESSO, RIQUEZA (OBJETO)]

A produtividade é a fonte da força, da liberdade e da felicidade. 138

...a consciência culpada (autoritária) torna-se a base para uma consciência “tranquila”, ao passo que a consciência tranquila, caso alguém a tenha, deverá criar um sentimento de culpa. 139 [paradoxo]

A consciência é pois, uma reação de nós face a nós mesmos. 146

Se a consciência sempre falasse alto e bem claramente, só uns poucos seriam desviados de seu objetivo moral.

Quanto mais produtivamente se vive, tanto mais forte é a consciência da gente e, por sua vez, tanto mais ela exacerba a produtividade. (...) a situação paradoxal – e trágica – do homem é que sua consciência é mais fraca justamente quando mais dela precisa.

Outra resposta para ineficácia relativa da consciência é nossa recusa a escutar e – o que é mais importante ainda – nossa ignorância de como ouvir. 147

Escutamos todas as vozes e a todos, mas não a nós mesmos (...). Essa arte requer outra habilidade, rara no homem moderno: a de ficar a sós consigo mesmo. 148

Morrer é sumamente acerbo, mas a ideia de ter de morrer sem haver vivido é insuportável.

A decadência da personalidade na velhice é um sintoma: é a prova de não se ter logrando viver produtivamente. 149




Só se ele compreende a voz de sua consciência, pode retornar a ser ele próprio: se ele não puder, perceberá; ninguém poderá ajudá-lo senão ele próprio.

“A lógica sem dúvida é inabalável, mas não pode resistir a um homem que quer continuar vivendo”. Kafka – O Processo

Essa análise indica que a felicidade e a alegria, embora em certo sentido sejam experiências subjetivas, são a resultante de interações e dependentes de condições objetivas. Tais condições objetivas podem ser resumidas, de modo lato, como produtividade. 158

Felicidade a infelicidade são de tal forma um estado de nossa personalidade total que as reações físicas muitas vezes traduzem-nas melhor do que o nosso sentimento consciente. 165

“O pseudo prazer e a pseudo dor são, deveras, apenas sensações simuladas; são antes, pensamentos sobre sensações do que experiências emocionais genuínas. 166

A deficiência produz tensão e o alívio desta dá lugar a prazer. (...) [a deficiência pode fundar-se em processos psíquicos; como fome, sonolência quando na verdade não são condições físicas] 168

[ponto de vista hedonista – considerando a felicidade idêntica à experiência imediata]

(prazeres)
[Quando a satisfação vem de necessidades fisiológicas são normas e condição indispensável à felicidade. Quando são desejos neuróticos são uma mitigação temporária da necessidade.] 169

A felicidade é uma conquista ocasionada pela produtividade interior do homem e não uma dádiva dos deuses. 172

A felicidade é o indício de que o homem encontrou a solução para o problema de sua existência: a realização produtiva de suas potencialidades e, assim, simultaneamente conseguiu unir-se ao mundo e preservar a integridade do próprio eu. Ao despender produtivamente sua energia, aumenta seus poderes: ele “arde sem se consumir”. 172

Depressão nasce da esterilidade e improdutividade interiores. 172

Os fins têm sido muitas vezes esquecidos numa preocupação obsessiva com os meios. 174

176

A investigação psicanalítica do mecanismo das dúvidas compulsivas revela que elas são a expressão racionalizada de conflitos emocionais inconscientes, provindos de uma falta de integração da personalidade total e de um intenso sentimentalismo de impotência e incapacidade. 180-181

...nessas pessoas automatizadas tenha desaparecido a dúvida ativa, seu lugar foi tomado pela indiferença e pelo relativismo. 181

A história da ciência está repleta de casos de fé na ração e visão da verdade. 185

Só a pessoa que tem fé em si mesma é capaz de ser fiel a outras, pois só então pode estar certa de que será no futuro a mesma que é hoje e, portanto, de sentir e agir como agora espera fazer. Fé em si mesmo é uma condição para a capacidade de prometer qualquer coisa, e como, segundo Nietzsche notou, o homem pode ser definido por sua capacidade de prometer, essa é uma das condições da existência humana. 186

Educar é o mesmo que auxiliar a criança a realizar suas potencialidades. O contrário de educação é manipulação, que se baseia na ausência de fé no florescimento das potencialidades e na convicção de que a criança só será direita se os adultos lhe impingirem o que for conveniente e eliminarem o que pareça indesejável. 186

A base da fé racional é a produtividade; viver por nossa fé significa viver produtivamente e ter a única certeza que existe: a certeza que germina da atividade produtiva e da experiência de que cada um de nós é o sujeito ativo de quem essas atividades constituem o predicado. 187

188

As idéias da liberdade ou democracia degeneram em nada a não ser fé irracional, uma vez que não se baseiam na experiência produtiva de cada indivíduo, porém lhe sejam apresentadas por partidos ou Estados que o forçam a acreditar nelas. 188-189

O homem não pode viver sem fé. A questão crucial para nossa geração e as seguintes é saber se essa fé será uma fé irracional em chefes, máquinas, sucesso, ou a fé racional no homem fundada na experiência de nossa própria atividade produtiva. 189

A ideia da desvalia e nulidade do homem encontrou uma expressão nova, e desta feita completamente secular, nos sistemas autoritários em que o Estado ou a “sociedade” se torna o governante supremo, ao passo que o indivíduo, reconhecendo sua própria insignificância, deve por hipótese satisfazer-se com a obediência e a submissão. As duas idéias, conquanto claramente separadas nas filosofias da democracia e do autoritarismo, são mescladas em suas formas menos extremas no modo de pensar, e mais ainda no de sentir, de nossa cultura. 190-191

A teoria de Freud é dualista. Ele não vê o homem seja como essencialmente bom, seja como essencialmente mau, mas como acionado por duas forças contraditórias igualmente potentes. 192

Duas espécies de ócio: o racional ou “reativo”, e o irracional ou “condicionado pelo caráter”. O primeiro é a reação de uma pessoa contra uma ameaça à vida, liberdade a ideias, suas ou de outra pessoa, sua premissa é o respeito pela vida [...]. O segundo é o traço de caráter, uma disposição contínua para odiar, que consiste no íntimo da pessoa que é hostil em vez de reagir contra um estímulo vindo de fora. 192-193

O ódio irracional dirige-se tanto contra outras pessoas quanto contra o próprio individuo, apesar de nos apercebermos melhor de odiar outras de que a nós mesmos. O ódio contra nós mesmos é comumente racionalizado como sacrifício, desprendimento, ascetismo, ou auto-acusação e sentimento de inferioridade. 193

A potencialidade primária que se concretiza se estiverem presentes as condições apropriadas, a potencialidade secundária, que se concretiza se as condições forem contrárias às necessidades vitais. Como ter ou não condições para uma semente germinar. (...) a destrutividade é uma potencialidade secundária do homem, que só se manifesta quando ele deixa de realizar suas potencialidades primárias, teremos respondido apenas a uma das objeções contra a ética humanista. O homem se torna mau quando estão ausentes as condições adequadas a seu crescimento e desenvolvimento. 195-196

O homem, estando vivo, não pode deixar de querer viver, e o único modo de conseguir sucesso na arte de viver é seus poderes, para gastar aquilo que possui. 197

Os sintomas neuróticos são a manifestação da luta que a parte sadia da personalidade sustenta contra as influências deturpadoras voltadas contra seu desabrochar. 197 [...] Pode-se dizer que toda neurose representa um problema moral. 200

Reprimir um impulso significa afastá-lo da consciência, mas não significa eliminá-lo. 203

Se a sociedade estiver interessada em tornar as pessoas virtuosas, deve interessar-se em torná-las produtivas e, por conseguinte, em criar as condições para o desenvolvimento da produtividade. 204-205

Não façais aos outros o que não quereis que nos façam

A experiência de alegria e felicidade não é só o resultado da vida produtiva, mas também o seu estímulo. 205

O homem é a única criatura dotada de consciência. Sua consciência é a voz que o convoca de volta para si mesmo, permite-lhe saber o que deve fazer para se tornar ele mesmo e auxilia-o a permanecer a par das metas de sua vida e das normas necessárias à consecução dessas metas. Consequentemente, não somos vítimas indefesas das circunstâncias; somos capazes, de fato, de modificar e influenciar forças dentro e fora de nós mesmos e de controlar, pelo menos em certa medida, as condições que atuam sobre nós [...] 202

Compreendemos como e por que ele se tornou o que é, mas também podemos julgá-lo ao que ele é. 210

A principal missão do homem em sua vida é dar à Luz a si mesmo, é tornar-se aquilo que ele é potencialmente. 211

Compreender uma pessoa não equivale a justificá-la: quer dizer apenas que não a acusamos como se a gente fosse Deus ou um juiz colocado acima dela. 211

A atividade do homem face à força tem suas raízes nas próprias condições de sua existência. Como seres físicos, estamos sujeitos ao poder – ao poder da Natureza e o poder do homem. 218

A liberdade é a condição necessária à felicidade assim como à virtude – liberdade, não no sentido da possibilidade de fazer escolhas arbitrárias nem no de libertação das necessidades, porém liberdade de concretizar aquilo que a pessoa é potencialmente, de consumar a verdadeira natureza do homem conforme as leis da vida. 220


Nosso problema moral é a indiferença do homem para consigo mesmo. Repousa no fato de termos perdido o senso do significado e originalidade do indivíduo, de nos termos transformados em instrumentos para finalidades alheias  que nós mesmos e de nossos próprios poderes terem-se tornado estranho para nós mesmos. Nós e o nosso próximo convertemo-nos em coisas. O resultado é que nos sentimos inermes e desprezamo-nos por nossa impotência. Como não temos confiança em nosso próprio poder, não temos fé no homem nem em nós, nem tampouco no que pode ser criado por nossos próprios poderes (...). Somos um rebanho que acredita que o caminho que estamos seguindo deve ir dar em algum lugar já que todos os demais o seguem. Estamos no escuro e nossa coragem ainda não esmoreceu porque ouvimos todos os outros assobiando como nós. 220-221

Nenhum comentário: