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Lembro-me muito bem da minha primeira impressão de Hemingway,
naquela tarde. Era um rapaz de vinte e três anos, extraordinariamente bem
apessoado. Foi pouco depois da época em que todo mundo tinha vinte e seis anos.
Houve o período dos vinte e seis. Nos dois ou três anos subsequentes, todos os
rapazes tinham vinte e seis anos, a idade certa, aparentemente, para aquele
tempo e lugar.
Gertrude Stein
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Página do manuscrito Goodbye Columbus de Philip Roth,
publicado no número 20 da Paris Review
(Autumn-Winter, 1958-1959). |
No início da década de cinquenta, uma nova geração de jovens
expatriados americanos completou em Paris vinte e seis anos. Mas já não eram os
Rapazes Tristes, nem os Perdidos. Eram os espirituosos e irreverentes filhos de
uma nação vencedora e, embora a maioria se originasse de pais abastados e se
tivesse diplomado em Harvard ou Yale, pareciam ter grande prazer em fingir-se
de pobres, fugir aos credores, talvez por ser uma espécie de desafio, porque
isso os distinguia dos turistas americanos a quem desprezavam, e também por ser
um meio de caçoar dos franceses, que os desprezavam. Contudo, viviam em alegre
miséria na Rive Gauche durante dois ou três anos, entre prostitutas, músicos de
jazz e poetas pederastas, envolvendo-se com gente trágica e doida, inclusive um
violento pintor espanhol que certo dia abriu uma veia da perna, terminando seu
retrato derradeiro com o próprio sangue.
Em julho desciam a Pamplona para correr dos touros e ao
regressar jogavam tênis com Irwin Shaw em Saint-Cloud, numa quadra magnífica,
dominando Paris. E ao atirarem a bola para servir, viam diante dos olhos a
cidade inteira: a Torre Eiffel, o Sacré-Coeur, a Ópera, e ao longe as torres de
Notre Dame. Irwin Shaw achava-os divertidos, chamando-os “Rapazes Altos”.
O mais alto de odos, 1,90m, era George Ames Plimpton, rápido
e gracioso jogador de tênis, de pernas compridas e magras, cabeça pequena,
brilhantes olhos azuis, nariz delicado, de ponta fina. Viera a Paris em 1952
com a idade de vinte e seis anos porque vários dos outros americanos altos e
jovens – alguns eram baixos e selvagens – estavam publicando uma revista
literária que receberia o nome de Paris
Review, sob protestos de um dos membros da equipe, um poeta que queria
batizá-la de Druid’s Home Companion e
que ela fosse impressa em casca de bétula, George Plimpton foi designado para
editor-chefe e breve era visto caminhando pelas ruas de Paris, uma longa écharpe de lã no pescoço, às vezes uma
capa negra aos ombros, lembrando a famosa litogravura de Tolouse Lautrec por
Aristide Bruant, o brilhanteliterato do século XIX.
Embora grande parte da redação da Paris Review fosse feita nos cafés de rua, enquanto os editores
aguardavam a sua vez na máquina de jogo automático, a revista obteve muito
sucesso porque os rapazes tinham talento, dinheiro e gosto e evitavam usar
vocábulos típicos de revistinhas, como “zeitgeist” e “dicotômico”, e não publicavam
críticas herméticas sobre Melville e Kafka, preferindo poesia e ficção de
jovens escritores talentosos e ainda pouco conhecidos. Iniciaram também uma
excelente série de entrevistas com autores famosos – que os convidavam a
almoçar, apresentavam-nos a atrizes, dramaturgos e produtores e depois todos
mundo convidava todo mundo para festas, e as festas eram infindáveis. Não
terminaram até hoje, embora dez anos se tenham passado, Paris não seja mais
cenário e os Rapazes Altos estejam com trinta e seis anos.
Vivem agora em nova York e a maioria das festas acontece no
grande apartamento de solteiro de George Plimpton, na Rua Setenta e Dois, dando
para o East River, e que é também o quartel-general do que Elaine Dundy chama
de “Grupo Literário de Qualidade”, ou o que Candida Donadio, a agente,
classifica de a “Turma da Paris Review”.
O apartamento de Plimpton é hoje o mais movimentado salão literário de Nova
York – o último local onde, permanecendo na mesma sala em qualquer noite da
semana, é possível encontrar James Jones, William Styron, Irwin Shaw, algumas
bonecas para decorar o ambiente, Norman Mailer, Philip Roth, Lillian Hellmann,
um tocador de bongo, Harold L. Humes, Jack Gelber, Sadruddin Aga Khan, Terry
Southern, Blair Fuller, o elenco de Beyond
the Fringe, Tom Keogh, William Pène du Bois, Bee Whistler Dabney
(descendente da mãe de Whistler), Robert Silvers e um zangado veterano da
invasão da Baía dos Porcos, uma coelhinha aposentada do Playboy Club, John P.C.
Train, Joe Fox, John Phillips Marquand, a secretária de Robert W. Dowling,
Peter Duchin, Gene Andrewski, Jean vanden Heuvel, o antigo treinador de boxe de
Ernest Hemingway, Frederick Seidel, Thomas H. Guinzburg, David Amram, um barman do centro da cidade, Barbara
Epstein, Jill Fox, um distribuidor local de entorpecentes, Piedy Gimbel, Dwight
MacDonald, Bill Cole, Jules Feffer. E nesta cena, numa noite de inverno,
penetrou uma velha amiga de George Plimpton: Jacqueline Kennedy.
- Jackie! – exclamou George, ao abrir a porta e dar com a
Primeira-Dama, acompanhada da irmã e do cunhado, os Radziwills. A Sra. Kennedy,
sorrindo amplamente, entre dois cintilantes brincos, estendeu a mão a George, a
quem conhece desde os tempos de infância, e conversaram alguns minutos no hall, enquanto George a ajudava a despir
o casaco. Depois, espreitando para o quarto e reparando numa pilha de
sobretudos mais alta que um Volkswagen,
a Sra. Kennedy falou, numa voz suave, cheia de simpatia:
- Oh George! A sua
cama!
George deu de ombros e escoltou-os pelo hall, descendo três degraus até a sala enfumaçada.
- Olhe, - disse uma boneca, a um canto – lá está a irmã de
Lee Radziwill!
George apresentou primeiro Ved Mehta, o escritor indiano, à
Sra. Kennedy, depois esgueirou-se habilmente com ela por Norman Mailer,
seguindo em direção a William Styron.
- Olá, Bill – disse ela, apertando-lhe a mão. – É um prazer
vê-lo. Conversando com Styron e Cass Canfield, a Sra. Kennedy ficou de costas
para Sandra Hochman, poetisa de Greenwich Village, loura oxigenada, vestindo um
grosso suéter de lã e calças de esqui parcialmente abertas.
- Creio que estou um pouco déshabillée – murmurou a Srta. Hochman a um amigo, com sinal de
cabeça para o belo terninho em brocado branco da Sra. Kennedy.
- Tolice – disse o amigo, jogando cinza de cigarro no
tapete.
E para falar a verdade é preciso dizer que nenhuma das
setenta pessoas presentes na sala achou que os trajes de Sandra Hochman
contrastassem de maneira desagradável com os da Primeira-Dama; de fato, alguns
nem a notaram, e houve quem a visse, sem a reconhecer.
- Ora, - falou, alguém espreitando através a fumaça em
direção ao complicado penteado da Sra. Kennedy – aquilo é moda este ano, não é?
E aquela garota quase acertou.
Enquanto a Sra. Kennedy conversava a um canto, a Princesa
Radziwill batia um papo com Bee Whistler Dabney, pouco adiante, e o Príncipe
Radziwill permanecia sozinho junto ao piano de cauda, cantarolando baixinho,
como faz com frequência em reuniões. Em Washington, é conhecido como um grande
cantarolador.
Quinze minutos após, a Sra. Kennedy, que era aguardada num
jantar oferecido por Adlai Stevenson, despediu-se de Styron e Canfield, e,
acompanhada de George Plimpton, dirigiu-se aos degraus que levavam ao hall. Norman Mailer, que entretanto
bebera três copos de água, estava junto aos degraus e fitou-a com fixidez
quando ela passou. Jacqueline não retribuiu o olhar.
Três rápidos passos e ela desapareceu – transpôs o hall, vestiu o casaco e as longas luvas
brancas, e desceu dois lances de escada até a calçada, sequida pelos Radziwills
e George Plimpton.
- Vejam! – gritou uma loura, Sally Belfrage, olhando da
janela da cozinha para as pessoas que entravam na limusine. – Lá está George! E veja que carro!
- Que é que há de extraordinário no carro? – perguntou
alguém. – É apenas um Cadillac.
- Sim, mas é preto
e não tem enfeites cromados.
Sally Belfrage viu o grande veículo, apontando na direção de
um outro mundo, deslizar macio para longe, mas na sala a festa continuava mais
animada que nunca, e quase ninguém notou que o anfitrião desaparecera. Mas havia
bebida e bastava lançar um olhar às fotos das paredes para sentir a presença de
George Plimpton. Uma fotografia mostra-o toureando pequenos touros na Espanha,
com Hemingway. Outra surpreendeu-o bebendo cerveja com os “Jovens Altos” num
café parisiense. Outras exibem-no como tenente, marchando com um pelotão pelas
ruas de Roma. Ou como tenista do King’s College, lutador amador, sparing para Archie Moore no Ginásio
Stillman, ocasião em que o cheiro a ranço do local foi temporariamente
substituído pelo perfume a almíscar do El
Morocco e os aplausos dos amigos de Plimpton quando ele conseguiu um golpe
certeiro, rapidamente transformado num “Ohhhhhhhh” quando Archie Moore rebateu
com um soco que quebrou em parte a cartilagem do nariz de Plimpton, fazendo-o
sangrar e levando Miles Davis a perguntar depois:
- Archie, esse sangue nas suas luvas é negro ou branco?
Ao que um dos amigos de Archie replicou: - Senhor, isto é
sangue azul.
Na parede vê-se ainda um rebab, instrumento de uma corda,
feito de couro de bode, e que os beduínos lhe ofereceram antes que ele fizesse
um pequeno papel em Lawrence of Arabia,
durante uma tempestade de areia. E sobre o piano de cauda – ele toca bastante
bem para ter conquistado um terceiro prêmio, na Noite dos Amadores, no Teatro
Apolo, cerca de dois anos passados, na Harlem – vê-se um coco que lhe foi
enviado por uma nadadora que ele conheceu em Palm Beach, e também a fotografia
de outra jovem, Vali, existencialista de cabelos cor de laranja, conhecida de
todas as concierges na Rive Gauche
como la bête; e também um bastão de
basebol, que Plimpton ocasionalmente atira do lado oposto do living, a uma poltrona baixinha, gorda e
acolchoada, usando o mesmo desabafo que quando praticava contra Willie Mays ao
pesquisar para seu livro Out of My League,
sobre os sentimentos de um amador entre profissionais – e que, aliás, é uma
chave não só para George Ames Plimpton, como também para vários outros da Paris Review.
Vários deles vivem obcecados pelo desejo de saber como viver
a outra metade. Assim travam amizade com as figuras mais interessantes entre os
excêntricos, evitamos chatos de Wall Street e mergulham no mundo dos
traficantes, pederastas, boxadores e aventureiros, em busca de emoções e
literatura, influenciados talvez por aquela gloriosa geração de motoristas de
ambulância que os precedeu em Paris, aos vinte e seis anos.